sábado, 4 de julho de 2009

Plano Real

Quinze Anos do Plano Real no País das Jabuticabas e das Excentricidades
José Lemos*
Nesta primeira semana de julho o Plano Real é debutante. Ele surgiu depois de sucessivas e frustradas tentativas de debelar um dos males maiores dos anos oitenta até a metade dos anos noventa do século passado. Apenas para se ter uma idéia da tragédia, entre abril de 1980 e abril de 1994 a hiperinflação brasileira chegou à incrível marca de 20,7 trilhões por cento. Essa loucura apenas foi suportável porque existia uma espécie de anestesia chamada correção monetária, criada na época dos governos militares que amenizava como morfina, a dor sentida nos orçamentos de quem viveu aquele período.
Ao final do Governo do General Figueiredo, o último do ciclo dos militares, a inflação anualizada no Brasil era de 100% ou, aproximadamente, 8% ao mês. Aquela inflação juntamente com o clamor da sociedade por liberdades, se constituiu em algumas das causas responsáveis pela derrocada dos governos militares. Logo depois de tomarem o poder em 1964, os militares conseguiram surfar em ondas progressistas internacionais, quando o preço do barril de petróleo era menos de três dólares. Tanto assim que entre 1968 e 1972 o Brasil experimentou o chamado “Milagre Brasileiro” que consistiu em crescimento do produto agregado a taxas muito parecidas com as recentes e festejadas da China. Aquele surto de crescimento, contudo, não se traduziu em melhorias generalizadas para a maioria dos brasileiros, ao ponto de um dos Presidentes militares, de forma insuspeita, dada a sua posição e comprometimento com o regime, anunciar candidamente que o Brasil ia bem, mas os brasileiros iam muito mal.
Os Governos militares agiam como se o Brasil fosse auto-suficiente em energia, de tal sorte que quando os exportadores cartelizaram-se na OPEP para controlar a oferta do óleo e, por essa via os seus preços, o País entrou em dificuldades. O encarecimento de energia sem capacidade de produção de substituto internamente se transmitiu automaticamente para os custos da produção o que elevou os preços de todos os itens, causando inflação de oferta. Este fato, aliado ao descontrole das contas públicas levaram à crise fiscal que obrigava ao financiamento de déficits via emissão de moeda. Estava montado o caldo de cultura que alimentou a disparada dos preços internos.
A população clamava por liberdades e, em 1984, houve o grande movimento cívico das “Diretas Já”, que tinha na emenda do Deputado Dante de Oliveira, a ser votada no Parlamento, o clamor para o retorno dos direitos dos brasileiros elegerem os seus Governantes. Movimento que foi devidamente boicotado, o quanto foi possível, pela grande mídia e, pasmem por políticos que viriam a se beneficiar diretamente daquele movimento ocupando cargos de direção no País até hoje.
A emenda foi derrotada, e foi eleito Tancredo Neves, tendo José Sarney como vice. Político egresso da ARENA e PDS, partidos que deram sustentação aos militares e que foram o alvo das multidões que clamavam por eleições diretas. Tancredo Neves se elegeu, mas morreu antes de tomar posse e assumiu o seu vice.
O descontrole fiscal se incrementava e a inflação criou animo redobrado para disparar. Em fevereiro de 1986 foi lançado o Plano Cruzado, que seria a primeira de uma série de aventuras, pós-regime militar, porque passaria este imenso “Laboratório Brasil”. O Plano que poderia ter sido o começo da retomada da estabilização monetária, caiu em desgraça justamente porque o PMDB, já naquela época o “Partido que assegurava a Governabilidade” não deixou. Em novembro daquele ano houve eleições gerais e o PMDB elegeu 21 dos 22 governadores estaduais de então, bem como a maioria do parlamento que iria fazer a Constituição de 1988. Ganha as eleições o Governo decretou o descongelamento dos preços, o que fez a inflação disparar.
Ao final do primeiro Governo Civil, em dezembro de 1989, a inflação mensal era de 80%. O ambiente estava propicio para o surgimento de aventureiros. E ele apareceu travestido sob a forma do “Caçador de Marajás” que iria, com apenas uma “bala de rifle”, acertar na testa do que ele identificou como o “dragão inflacionário”. Tudo isso, claro, devidamente apresentado em rede nacional pelo telejornal de maior audiência do Brasil, para não ter que engolir um certo “sapo barbudo”, então muito temido pelo seu dono e pelas elites de um modo geral.
O “caçador de marajás” acertou em cheio o oponente, não com tiro de rifle, mas com golpes baixos. Ameaçou o Presidente de então de arrancar com a unha cada um de todos os fios do seu famoso bigode. O “sapo barbudo” não fez por menos, usava adjetivos degradantes para o então Presidente moribundo. Com “debates” neste nível o “caçador de marajás” se elegeu Presidente e “atirou no dragão inflacionário”. O “rifle” era falsificado, assim como o eram o atirador e seus asseclas. A “bala” ricocheteou, errou o “alvo”, e acertou milhões de brasileiros que tiveram as suas contas confiscadas, naquela que foi a mais irresponsável de todas as tentativas de mitigar inflação que se tem conhecimento na vasta literatura especializada sobre este tema.
O “caçador de marajás” tornou-se inconveniente para aqueles que o inventaram. Foi defenestrado e assumiu Itamar Franco, que montou a equipe que desenhou e implantou o Plano Real em julho de 1994, e que trouxe a estabilização monetária. Os governos que seguiram tiveram o mérito de manter os seus fundamentos. Há problemas com o plano, como a manutenção de taxas de juros elevadas. A justificativa é que se os juros caírem a inflação recrudesce. Não é bem assim, porque há países em que as taxas de juros são baixas e a inflação anual é de menos de dois dígitos. A desculpa mais recente para os juros não caírem é que haveria remanejamento dos investimentos dos papéis da divida pública para as cadernetas de poupança. Qual o problema? Como partes dos recursos da caderneta de poupança devem ser usadas para o financiamento da casa própria, estaria ai um importante destino para esses recursos, que deixariam de serem apenas especulativos e contribuiriam para redução do déficit habitacional do País.
Os “inimigos mortais” das eleições de 2009, hoje são amigos dóceis. O “caçador de marajás” agora faz parte da “Base Aliada do Governo” e virou o homem forte do PAC. Deixam-se fotografar sorridentes e trocam elogios rasgados. O Brasil, País exótico das deliciosas jabuticabas também o é em esquisitices. Para ser generoso!


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