quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O Ceará precisa priorizar as relações comerciais com a África Subsaariana



Por José Nelson Bessa Maia*
No final da última década do século XX, o Ceará parecia despontar como uma das pontas de lança do Brasil rumo ao continente africano, considerado uma nova fronteira geoeconômica e prioridade geopolítica da política externa nacional. Com efeito, a abertura dos voos da TAP para Lisboa e da TACV para Cabo Verde e o foco da ação promocional do governo do Estado, do SEBRAE e da Federação das Indústrias (FIEC) rumo a países como Cabo Verde, Angola e Senegal rendeu bons frutos, tendo alavancado vendas externas para aqueles mercados africanos e incentivado os pequenos e médios empresários cearenses a buscar expandir suas exportações e estabelecer parcerias de negócios com nossos vizinhos atlânticos. Isso resultou num salutar processo de internacionalização da economia cearense e indicava uma promissora expansão de nosso comércio exterior, renda e emprego.

Malgrado, porém os esforços e os resultados positivos então obtidos, o Ceará aparentemente perdeu o interesse pela África, a julgar pelo retrocesso dos últimos anos. De fato, as exportações do estado para o conjunto da África Subsaariana, em 2011, despencaram 14,2% em relação a 2008, atingindo a modesta marca de US$ 33,1 milhões ou 10,6% do total exportado pelo Nordeste brasileiro para aquela região do mundo. No mesmo período, Pernambuco exportou US$ 105,1 milhões para a África Subsaariana, ou 33,8 das exportações nordestinas para aquela região. As exportações cearenses para Cabo Verde (o que já foi um ícone de sucesso) tiveram a forte queda de 89,4% em relação à marca de 2008, reduzindo-se a uma modesta receita cambial de US$ 1,12 milhão em 2011. Longe de ser uma mera oscilação conjuntural de fluxos de comércio, as séries estatísticas do MDIC apontam para tendência de declínio ao longo prazo na participação cearense nas exportações nordestinas para aquele bloco africano, ficando hoje atrás de Pernambuco, Bahia e Maranhão.

Esse retrocesso ocorre paradoxalmente num momento em que a África Subsaariana se firma como uma das áreas mais dinâmicas da economia mundial, perdendo apenas para os países da Ásia, liderados pela China. Segundo o FMI, as economias dos 48 países subsaarianos cresceram em média 6,6% no período 2004-2008; reagiram bem aos efeitos da crise global de 2009, quando cresceram 2,5% (enquanto o Brasil teve uma queda no PIB de -0,6%) e cresceram 4,9% em 2010, com expectativa de acelerar ainda mais essa trajetória nos próximos anos. Em função do crescimento sustentado e dos ganhos atingidos nos termos de troca (devido aos aumentos de preços de commodities), o poder de compra nos países da África subsaariana permitiu quase dobrar suas importações nos últimos sete anos (de US$ 140,8 bilhões, em 2004, para US$ 379 bilhões em 2011). Trata-se, portanto, de uma área do mundo com grande potencial de expansão de mercado e de absorção de importações de bens manufaturados.

A explicação para esse dinamismo em umas das regiões mais pobres e atrasadas do mundo em meio à fraca recuperação das economias avançadas (EUA, Zona do Euro e Japão) reside em três fatores: i) melhoria no ambiente político interno dos países africanos após décadas de instabilidade e conflitos étnicos; ii) avanços quase generalizados na condução da política macroeconômica (à exceção do Zimbábue), que reduziram a inflação, os déficits fiscais e o excesso de endividamento externo, e iii) crescentes vínculos de comércio e investimento com os gigantes asiáticos (China e Índia), que vêm estimulando o incremento das exportações africanas e da formação de capital fixo nesses países. As perspectivas favoráveis de crescimento no longo prazo na região vêm atraindo o interesse de investidores internacionais e criando condições para o desenvolvimento de mercados de capitais (emissão de bônus, abertura de bolsas de valores etc) em países como Nigéria, Quênia, Gana e Angola.

Em face dessa nova realidade e da agressividade de outros estados nordestinos nos mercados africanos é chegada a hora do Ceará reagir e buscar restabelecer seu protagonismo no campo da paradiplomacia comercial com vistas a ocupar lugar de destaque naquele promissor subcontinente e criar oportunidades de negócios para suas empresas. Uma estratégia promocional com chances de sucesso requer a remontagem do sistema estadual de relações internacionais (desativado em 2007); a articulação mais efetiva com os órgãos federais envolvidos na promoção comercial (MRE, MDIC e APEX) e, não menos importante, gestões junto à iniciativa privada, nacional e estrangeira, sobretudo na área de logística e transportes internacionais, para equacionar graves problemas de falta de linhas regulares de navegação e aviação civil que obstaculizam as operações de comércio exterior entre o Nordeste brasileiro e a África.

A julgar pelo desempenho econômico atual alcançado pela África subsaariana, onde estão os mercados alvos dessa investida cearense – a ser liderada pelo governo estadual e pela Federação das Indústrias (FIEC), com o apoio do SEBRAE/CE – seriam África do Sul (importações de US$ 121,6 bilhões em 2011); Nigéria (importações de US$ 55,0 bilhões); Angola (importações de US$ 22 bilhões); Gana (importações de US$ 10,9 bilhões), Senegal (importações de US$ 5,9 bilhões) e Cabo Verde (importações de 970 milhões). Obviamente, que os demais países da região subsaariana, que juntos perfazem um volume de importação US$ 162,7 bilhões (em 2011), merecem atenção, mas seu potencial está pulverizado entre 38 países, o que limita o alcance e a efetividade de uma estratégia de promoção comercial com foco em resultados.

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*Economista do CORECON-DF, ex-assessor internacional do Governo do Ceará (1995-2006), é mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB) e doutor em Relações Internacionais pela UnB. E-mail: nbessamaia@gmail.com.


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