A Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Ceará-SDA vem desenvolvendo o programa de biodiesel do Ceará com o objetivo de propiciar a produção de oleaginosas, com destaque para a mamona e para o girassol, com base na agricultura familiar.
Conforme estudo desenvolvido por Buainain, há sérias dificuldades para transformar o "biodiesel familiar" em realidade, pois a agricultura familiar encontra-se dispersa na região semi-árida, fato que pode ser constatado por meio dos dados do Censo de 1996, no qual os estabelecimentos de agricultura familiar representam 70% minifúndios, os quais possuem uma área média no Nordeste de 3,9hectares (ha), onde não raramente vive mais de uma família e o nível tecnológico é baixo, concentra uma elevada proporção de adultos analfabetos e de pobreza rural.
Segundo Júnior Ruiz Garcia em sua dissertação de mestrado com o titulo: O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel Brasileiro e a Agricultura Familiar na região Nordeste-PNPB, os resultados alcançados apontam para um cenário pessimista quanto à inserção dos agricultores familiares nordestinos no agronegócio do biodiesel, no que se refere à competitividade econômica da cultura da mamona como matéria prima (apesar dos subsídios, o preço de venda pelo produtor mal cobre as despesas de custeio de produção).
De acordo com Júnior, e com a base no rendimento industrial em óleo de 47% para a baga de mamona, 18% para grão de soja, 25% para fruto de dendê, a produtividade agrícola e industrial média seria, respectivamente de 665 kg/ha de baga e 312 litros de óleo/ha para mamona, contra 2.400 kg/ha de grão e 412 litros de óleo/ha para soja e 3.000 kg/ha de fruto e 750 litros de óleo/ha para dendê (palm fruit e palm oil). O autor do trabalho concluiu que o custo de produção de cada litro de biodiesel a partir da soja variou de R$ 0,897 a R$ 1,067, o do dendê variou de R$ 1,262 a R$ 1,444 e o da mamona de R$ 2,138 a R$ 2,348. Ademais, vale registrar que estudos da CEPEA-ESALQ mostram que o custo de produção de biodiesel de algodão varia de R$ 0,71 a R$ 0,96 por litro.
Júnior em sua dissertação verificou ainda que as regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste vêm expandindo a oferta de biodiesel para atender à demanda da ANP, diferente do que se observa no Nordeste que não vem conseguindo se aproximar da meta estabelecida de produzir 1.119 mil toneladas de bagas para produção de 525 mil litros de biodiesel de mamona.
Este fato pode ser explicado pelo descompasso entre a capacidade instalada de produção de biodiesel e a produção efetiva de bagas; pois a instalação de grandes plantas industriais dificulta a articulação com a agricultura familiar, pois esta é responsável por uma parte da produção de bagas de forma pulverizada, não apresentando, portanto uma produção em escala, o que configura uma estrutura produtiva em desacordo com a demanda da indústria, "principalmente em termos regionais e no âmbito da agricultura familiar" (Buainain).
De acordo com Júnior Ruiz Garcia, a produção necessária para atender a capacidade autorizada pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) para produção de mamona em baga é de 984 mil toneladas. A produção obtida em torno de 8 mil toneladas de mamona no Ceará, em 2008, representa apenas 0,9% da produção programada em ação de incentivo à produção no Nordeste.
No que diz respeito ao VBP para mamona no Ceará, em 2008, o valor obtido de R$ 6,8 milhões, equivale a apenas a 11,64% da média alcançada da produção no período 1970-74, no montante de R$ 58,3 milhões de reais.
Finalmente, Vale destacar que o incentivo à produção da mamona para transformação em biodiesel é um grave equívoco, dado que o preço do óleo de mamona no mercado internacional registrou um incremento de mais de 228% em termos relativos ao intervalo de 1961-64 para 2000-06, ou seja, conforme as estatísticas da FAO (http://faostat.org/), o preço médio de cada tonelada de óleo de mamona no mercado mundial passou de U$ 266 para U$ 872, nos dois períodos em referência, enquanto que os preços médios de óleos de dendê e de soja saltaram, respectivamente, de U$ 200 para U$ 429 e de U$ 253 para U$ 467.
Os números médios do período 2000-06 mostram que o óleo de mamona no mercado internacional é 128% mais caro do que o óleo de soja e 179% mais do que o óleo de dendê, portanto podemos verificar que é mais interessante exportar 1,00 kg de óleo de mamona e comprar 2,22 kg de óleo de dendê para produção de biodiesel. A soja é sustentável porque o farelo é o seu principal produto e o óleo é apenas um subproduto. Além disso, o óleo de mamona é um lubrificante fino e de valor mais elevado do que o biodiesel. Não é lógico, pelo menos no capitalismo, vender um produto a preços reduzidos se existe um mercado alternativo mais atraente, economicamente.
Deve-se lembrar que o rendimento médio de coco de dendê é de 10.500 kg/ha no Brasil (102.042ha em 2007), concentrado no Pará, rendendo 2.630 litros de óleo/ha/ano. Pode-se verificar pelas estatísticas da FAO, que o rendimento médio de dendê no Brasil é menos da metade dos 20.900 kg/ha de fruto do dendê e 5.225 litros de óleo/ha da Malásia que é o maior produtor mundial de dendê, com uma área plantada de 3,62 milhões de ha, produção de 75,65 milhões de toneladas de coco e 18,91 milhões de toneladas de óleo por ano. A Amazônia, onde chove bastante é sem dúvida, a futura menina dos olhos para as empresas dendezeiras mundiais, atualmente estabelecidas na Malásia e Indonésia. Para a mesma tecnologia de produção aplicada na Indonésia, com uma produtividade de 5.225 litros por hectare, seriam necessários 8,03 milhões de ha para atender à demanda atual de 42 bilhões de litros de diesel no Brasil.
No conceito de beneficio/custo, ou se preferir de valor adicionado da produção, até o presente momento as inversões de capital na citada cultura representa uma política de desagregação de valor de acordo Buainain, ou seja, “Estamos inventando uma nova política: o mundo inteiro busca agregar valor, e nós estamos investindo na desagregação de valor, pois é isto que acontece com a utilização da mamona para biodiesel”.
Demartone Coelho Botelho
Economista e representante da UFC no GCEA/IBGE-CE
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