José Lemos*
No regime presidencialista cabe ao Chefe do Executivo, eleito pelo voto popular, entre outras prerrogativas intransferíveis, escolher os seus Ministros e Auxiliares, sempre na perspectiva de que buscará os melhores quadros para servir ao conjunto da população.
Este preâmbulo de texto escrito em países como os Estados Unidos, ou França, que também adotam regime presidencialista, é de uma obviedade, que um leitor de qualquer um deles ficaria pasmo ao ler algo com um conteúdo deste em pleno século vinte e um.
No caso brasileiro não é assim. Deixou de ser desde que aconteceu a chamada redemocratização. Democracia, que no caso brasileiro precisa ser colocada entre aspas, porque, de fato, o exercício dela ocorre somente a cada eleição (o que é muito pouco), em que escolhemos candidatos que são ungidos pelo poder econômico. Isso sem falar que, nos rincões do Brasil, a escolha dos candidatos que serão votados em todos os cargos (eu falei TODOS) eletivos, é feita por cabos eleitorais. E aí vale tudo. Literalmente tudo.
No Brasil de hoje é muito comum um chefe político “prometer” uma determinada quantidade de votos para um candidato em troca de benesses no futuro. Às claras, sem subterfúgios, ou qualquer constrangimento. Certa vez eu falei com uma desses “chefes” que era um médico influente em um município de um estado do Nordeste. A identificação do estado é irrelevante porque a prática é comum em todos os estados brasileiros, mesmo naqueles do Sudeste e do Sul. Identificar algum, num texto deste, apenas poderia contribuir para incrementar o já forte preconceito que sudestinos e sulistas tem contra nós. Poderiam se sentir isentados da prática, o que não seria “justo”.
Pois bem, eu estava conversando com o médico numa das minhas andanças em trabalhos acadêmicos de pesquisa nas vésperas de uma eleição recente. Pelas tantas da conversa ele falou que estava chateado com um determinado candidato a Deputado Federal para quem ele havia prometido “dar 3.500 votos”. O verbo usado por ele foi ‘dar’. Uma votação que não era desprezível, considerando o tamanho do município. Eu perguntei para ele: “Como assim, ‘dar’ 3.500 votos? A sua família é grande o bastante?” Ele desdenhou de mim. Ah professor, o senhor não sabe de nada. Desconversou. Fiquei de queixo caído. O pior é que ele de fato controlava aquele montante de votos, e todos sabiam disso.
Pois bem, leio nos jornais desta sexta-feira (8/07/2011) que a Presidente tem a sua preferência para o cargo de Ministro dos Transportes depois que o titular foi exonerado sob suspeitas de mal condução daquela Pasta. Com base nas prerrogativas do cargo, a dedução que fiz automaticamente foi que, a Presidente ao vislumbrar a efetivação do cargo pelo técnico que está interinamente, estaria querendo o melhor para o Brasil. Contudo, os jornais avisam que, embora seja esta a vontade da Presidente, ela não poderá efetivá-la, porque aquela Pasta é de “propriedade” do Partido da Republica, o PR. Lindo, não?!
No Brasil, pós-regimes militares, os cargos públicos são loteados entre partidos da tal “base aliada”, expressão que pode ser sinônimo de “base fisiológica”. Não há diferença entre os partidos políticos dessa tal “base”. O ideário e a ideologia é a do poder, pelo poder. Quem foi “adversário ferrenho” no passado, passa a ser, sem qualquer cerimônia, aliado e articulador político do antigo “adversário” desde que este agora detenha o poder. Esta prática se estende aos estados. Nesses verdadeiros “sacos de gatos” se acomodam políticos de todas as tendências. Os que estão ali, com raríssimas exceções, fazem qualquer negócio para ficarem mais ricos. Quando não tem os seus pleitos atendidos, ameaçam com chantagens. A isso chamam de “governabilidade”. Nós, brasileiros, acompanhamos pela imprensa, estarrecidos, as denúncias de multiplicação das fortunas de alguns deles.
A maioria expressiva dessa gente, que se aboleta nos cargos dessa forma, sem prestar concurso público, não teria condições de construir a vida fora dessas benesses. Não tem treinamento, nem aptidão para exercer qualquer funções, inclusive aquelas em que foram encastelados. Fazem tudo para ficar sempre gravitando em torno do poderoso, ou da poderosa da ocasião. Como somente podem usar desse instrumento, na ausência de competência técnica, de lapidação em boas universidades do País ou do exterior, utilizam a arma de que dispõem. É evidente que um modelo desses não pode dar certo. Ao menos para nós, os brasileiros que trabalhamos duro, para pagar uma das mais pesadas cargas tributárias do planeta, e receber um dos piores serviços prestados pelo Estado. Triste!
*Professor Associado na Universidade Federal do Ceará.
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