Leia, Ouça,
Veja, mas sobretudo, Pense.
Se grandes
invenções ou descobertas, como o fogo, a roda ou a alavanca, se fizeram antes
que o homem fosse, historicamente, capaz de escrever, também se põe como fora
de dúvida que mais rapidamente se avançou quando foi possível fixar
inteligência em escrita, quando o saber se pôde transmitir com maior fidelidade
do que oralmente, quando biblioteca, em qualquer forma, foi testamento do
passado e base de arranque para o futuro. A livro se veio juntar arquivo, para
o que mais ligeiro se afigurava; e fora de bibliotecas ou arquivos ficaram os
milhões de páginas de discorrer ou emoção humana que mais ligeiras pareceram
ainda, ou menos duradouras. Escrevendo ou lendo nos unimos para além do tempo e
do espaço, e os limitados braços se põem a abraçar o mundo; a riqueza de outros
nos enriquece a nós. Leia.
Milhões de
homens, porém, no mundo actual estão incapacitados de escrever e de ler, muito
menos porque faltam métodos e meios do que incitamento que os levante acima do
seu tão difícil quotidiano e vontade de quem mais pode de que seus reais irmãos
mais dependam de si próprios do que de exteriores e quase sempre enganadoras
salvações. Mais se comunica falando do que de qualquer outra forma; o que nos
dizem muitas vezes nos parece de nenhuma importância, mas talvez tenha havido
uma falha na atitude de escutar do que no conteúdo do que se disse; porventura
a palavra-chave estava aí, mas estávamos distraídos, ou ansiosos por nós
próprios falarmos; e no vento fugiu, a outros ouvidos ou a nenhuns. Ouça.
No tempo em
que a antropologia ainda julgava que o homem descendia do macaco notou-se, para
os distinguir, que um, mesmo no estádio mais primitivo, desenhava; o outro,
mesmo que antropóide superior, nem olhava o desenho. Imagem nos veio
acompanhando pela História fora, desde as pinturas ou gravuras rupestres, cujo
verdadeiro significado ainda está por encontrar, até cinema ou televisão, sobre
cujo significado igualmente muitas vezes nos podemos interrogar e que se tem de
arrancar o mais depressa possível ao domínio do lucro, da publicidade ou das
propagandas ideológicas para que possam cumprir, como nas formas mais antigas,
a sua missão de iluminar, inspirar e consagrar o mundo. Imagem o cerca. Veja.
Mas o que vê
e ouve ou lê nada mais lhe traz senão matéria-prima de pensamento, já livre de
muita impureza de minério bruto, porquanto antes do seu outros pensamentos o
pensaram; mas, por o pensarem, alguma outra impureza lhe terão juntado. Nunca
se precipite, pois, a aderir; não se deixe levar por nenhum sentimento, excepto
o do amor de entender, de ver o mais possível claro dentro e fora de si;
critique tudo o que receba e não deixe que nada se deposite no seu espírito
senão pela peneira da crítica, pelo critério da coerência, pela concordância
dos factos; acredite fundamentalmente na dúvida construtiva e daí parta para
certezas que nunca deixe de ver como provisórias, excepto uma, a de que é capaz
de compreender tudo o que for compreensível; ao resto porá de lado até que o
seja, até que possa pôr nos pratos da sua balancinha de razão. A tudo pese.
Pense.
Agostinho da
Silva
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