segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Honradez


A maneira mais fácil e mais segura de vivermos honradamente consiste em sermos, na realidade, o que parecemos ser.

Sócrates


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Modelo, quadro fiscal do Ceará é questionado.

Por Marina Falcão
Vitrine do pré-candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT), o quadro fiscal do Ceará, apontado em dois rankings como o
melhor do Brasil, tem raízes no choque de gestão implementado nos anos 80 pelo então governador Tasso Jereissati
(PSDB). Economistas da oposição reconhecem o mérito dos irmãos Ferreira Gomes - e do ex-secretário Mauro Benevides
Filho, formulador do programa econômico de Ciro - em não desmanchar o que foi feito. No entanto, questionam a
sustentabilidade de um modelo que levou o Ceará a liderar os investimentos dos Estados às custas do crescimento da
dívida.
No ano de 1986, o Ceará estava falido, após um período chamado de governo dos coronéis. Era possivelmente o Estado
mais mal-gerido do país. Não havia contabilização de quantos funcionários o governo tinha, tampouco qual era o tamanho
da sua dívida. Nada menos que 87% da receita que o Ceará arrecadava era para pagar a folha e o pouco que se investia era a
fundo perdido, a juros exorbitantes.
Quando Tasso Jereissati assumiu o governo em 1987, dos estimados 140 mil
funcionários do Estado, cerca 20 mil foram identificados como fantasmas e
havia outros milhares acumulando até três empregos públicos, mostra o livro
"Gestão Governamental do Ceará, 1979-2014", dos economistas José Nelson
Bessa Maia e Demartone Coelho Botelho, publicado no ano passado. Em seis
meses, o governo exonerou 18,5% do quadro de pessoal. "Houve um
levantamento da dívida, uma renegociação dessa dívida impagável, que
colocou o Ceará na trajetória de superávit e caixa", diz Bessa Maia. Ele
participou do primeiro governo Jereissati, comandando a secretaria de assuntos internacionais.
Entre 1987 e 1990, o Ceará saiu de um déficit de R$ 4,1 bilhões para um superávit de R$ 324,2 milhões (valores atualizados
para 2013), aponta o economista e secretário do Tesouro Mansueto Almeida, que assina o prefácio da publicação.
Afilhado político de Tasso, Ciro assumiu o Ceará em 1991, com as contas do Estado nos eixos. Com dinheiro em caixa, Ciro
conseguiu recomprar toda a dívida mobiliária do Estado no mercado, feito do qual se orgulha em contar até hoje em
entrevistas. Mauro Benevides Filho, que atuou como secretário de Planejamento do governo Ciro, diz que houve "o início
de um processo de mudança" na forma de gerir a coisa pública com Tasso, mas que "foi Ciro quem deu a primeira
paulada", com a liquidação da dívida. "Como pode o Ciro ter problema com mercado financeiro se resgatou toda a dívida
mobiliária"?, diz Benevides, que comandou a Secretaria da Fazenda do Ceará nos últimos 12 anos.
Outro feito sempre lembrado por Ciro - e também possível apenas por conta do ajuste das contas estaduais - foi a
construção do chamado canal do trabalhador, no prazo épico de 90 dias, evitando um colapso hídrico no Ceará.
Nem sempre, no entanto, os grandes investimentos dos Ferreira Gomes deram certo. A construção de um mega aquário na
orla de Fortaleza, um sonho do ex-governador Cid Gomes (PDT), jamais foi concluída. No local, visitado pelo Valor, a obra
é hoje um esqueleto de concreto, que já consumiu R$ 138 milhões. "Mauro Filho deixou Cid fazer tudo o que ele queria,
menos sair dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal", analisa o economista Demartone Coelho Botelho, da
Universidade Federal do Ceará (UFC).
O economista diz que Benevides "é um bom quadro", mas que há décadas o Ceará representa 2% do PIB do Brasil e que,
para mudar de patamar, o Estado precisaria dar um salto qualitativo no gasto.
09/07/2018 Modelo, quadro fiscal do Ceará é questionado
https://www.valor.com.br/imprimir/noticia/5645587/politica/5645587/modelo-quadro-fiscal-do-ceara-e-questionado 2/2
Em um ranking elaborado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), em parceria com a Tendências Consultoria, o Ceará
lidera os Estados brasileiros na questão solidez fiscal. Em um outro levantamento, elaborado pela Federação da Indústrias
do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), o Estado aparece também em primeiro lugar. Entre os critérios analisados, se destaca
o percentual de investimento do Estado, um dos poucos que vem conseguindo investir uma fatia acima de dois dígitos da
sua receita corrente líquida (ver infográfico).
Também do bloco de economista da oposição, Marcus Holanda, ex-presidente do Banco do Nordeste (BNB), diz que
"inegavelmente" houve disciplina fiscal nos últimos anos, mas a gestão está "longe de ser essa Brastemp toda". Ele diz que
a estrutura das estatais é inchada e a qualidade do gasto público é duvidosa. O ponto mais questionável, afirma, é que os
investimentos dos últimos anos no Estado foram sustentados basicamente com o aumento da dívida, que saiu de R$ 4,2
bilhões em 2010 para quase R$ 12 bilhões no ano passado, segundo dados da Secretaria da Fazenda do Estado.
"Investimento não é necessariamente coisa boa, tem que gerar resultado. Via dívida o investimento não tem retorno certo,
mas a despesa é certa", afirma Holanda, que vai comandar o programa econômico do general Theophilo (PSDB), principal
candidato da oposição ao governo do Estado.
Para Benevides, a crítica ao aumento do endividamento do Ceará nos últimos anos "é uma piada da oposição", pois o
Estado poderia se endividar em mais R$ 27 bilhões e ainda assim estaria dentro do limite previsto pela Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), de 200% da receita corrente líquida. Hoje o Ceará está em 46%, mas estava em 27% oito
anos atrás.
"Aumentou a dívida. So what? E daí? Capacidade de endividamento não é só estoque, é o serviço", afirmou ao Valor. O
governo do Ceará gastou R$ 452 milhões com juros no ano passado, ou 2,5% da sua receita corrente líquida, segundo o
governo do Estado.
A metodologia de apuração superávit primário do Estado, implementada por Mauro Filho, é outra questão sensível. O
Estado abate os investimentos em infraestrutura do cálculo do resultado primário. Segundo Benevides, isso é feito com
aval do Tesouro, para compensar a impossibilidade de contabilizar as receitas com poupança no primário.
O resultado primário do Ceará tem sido calculado dessa forma desde 2009. Segundo a Secretaria da Fazenda, o Estado
apurou um resultado de R$ 1 bilhão em 2017. "Não fosse o abatimento do investimento com infraestrutura, o Estado teria
registrado um déficit primário de cerca de R$ 1 bilhão no ano passado", diz Holanda.

https://www.valor.com.br/politica/5645587/modelo-quadro-fiscal-do-ceara-e-questionado