quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Erros do algodão são cometidos no caju

O Ceará foi pioneiro e forte produtor de culturas que poderiam ter tido maior relevância para o Estado, não fosse a falta de organização mercantil, argumenta o especialista em políticas agrícola Yoshio Namekata

O bicudo não destruiu a cultura do algodão. Não há política setorial séria até hoje. Falta tecnologia para aproveitar melhor os produtos agrícolas. As afirmações são do engenheiro agrônomo, Yoshio Namekata, 64, que falou ao O POVO sobre os erros cometidos em setores agrícolas cearense. Os resultado desses problemas são, geralmente, a perda gradativa da importância da cultura para a economia do Estado.

Yoshio afirma que a cajucultura não deve em curto prazo trilhar o mesmo caminho, por exemplo, do algodão e da carnaúba, que perderam fortemente mercado e ``sumiram``. Contudo, explica que o setor comete erros semelhantes e que toda atividade que não é lucrativa tende a acabar.

Entre as funções desempenhadas pelo especialista está o acompanhamento da política agrícola no Estado a partir de 1977. De lá para cá, trabalhou na área de conjuntura e em comissões de planejamento agrícola. Foi ainda da Secretaria de Agricultura, do Departamento Nacional de Obra Contra a Seca (Denocs) e do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece).

O Ceará foi um dos pioneiros no algodão arbóreo (mocó), de fibra longa, por volta de 1777. É nativo da serra de Uruburetama e já existia algodão quando os portugueses chegaram. A grade expansão ocorreu na Guerra da Secessão (de 1861 a 1865) que destruiu as plantações do sul dos Estados Unidos, grande supridor do mercado mundial na época. Daí, a gente conseguiu o nicho temporário de mercado, mas a exportação não se consolidou por conta da desorganização mercantil dos exportadores do Ceará.

Como o preço do mercado internacional estava bom, em 1867, o pessoal fez uma mistura danada no algodão e exportou como se fosse algodão de primeira qualidade. Foi uma cultura de fraude na exportação, exportar produto de qualquer jeito. O pessoal colocava jerimum, pedra, tijolos e outras coisas dentro do saco de algodão para dar peso. Infelizmente essa cultura permanece. Aconteceu com outras atividades agroexportadoras. Foi o pontapé inicial de como a coisa não se deve ser feita.

O algodão cresceu até 1970. Tinha aquele problema que começou com muita força, o subsídio da exportação de algodão americano. O governo brasileiro ganhou o direito de retaliação ao governo norte-americano. Isso veio muito tarde. Também não leva a nada, porque é uma briga de exportações não realizadas anteriormente, mas daqui pra gente não tem nada garantido. Em outras palavras, não vale nada isso aí.

Não houve erro propriamente dito. Nós não temos um sistema de política global para o setor da economia como um todo. Estados Unidos e Europa como um todo já perceberam isso faz mais duzentos anos. Eles protegem as atividades econômicas de sustentabilidade da população. No Brasil nunca houve isso.

A praga (bicudo) foi o que a gente chama de ``pá de cal`` do enterro do algodão. Não foi a causa principal da derrocada do algodão. Afirmo de pé junto, apesar de os empresários daqui dizerem que foi o bicudo, mas não foi. O bicudo veio só pra piorar a situação. Tem acontecido com todas as atividades econômicas e agrícolas do Ceará. Se tivesse combatido o subsídio americano. Faltou política de sustentação de preço nacional, essa é a palavra chave para manter qualquer atividade econômica sustentável.

Caju é uma atividade sustentável incrível. Não vai acabar. Sempre existiu aqui e vai continuar existindo. É uma cultura que está adaptava ao clima daqui. Temos todo o material genético. A Embrapa é dona da maior tecnologia biológica da cajucultura no mundo. Isso é a coisa mais importante que nós temos.

Porque a cajucultura vem se arrastando dessa forma? É um problema de organização de mercado, porque nós fomos o único produtor mundial durante muitos anos, mas a gente não está conseguindo organizar o mercado. Os exportadores não têm prejuízo. Esse produtor que não exporta é que está lascado.

Existe o que se chama de dualismo. Tem o lado sustentável e o lado não sustentável. O pequeno produtor é não sustentável. Mas o exportador está muito bem. Pelo menos há uns vinte anos está assim. É uma "crise sustentável".

Teria que ter uma política setorial mais séria. Não deixar só na mão dos empresários. Se não existe lucro. A atividade é fadada ao desaparecimento.

A carnaúba é uma atividade que a gente chama de extrativismo vegetal. É um produto que houve uma expansão muito grande na II Guerra Mundial (1945). O preço aumentou. O motivo da derrocada é que o foi perdendo mercado, pois não estavam mais precisando dessa cera e o preço foi caindo. Agora, a cera de carnaúba tem um negócio muito interessante, que é o mercado de ceras não químicas. Uma cera biológica que é utilizada para conservação de frutas e verduras. O Brasil é praticamente o único produtor mundial de cera vegetal - 90% sai do Brasil -, e o Ceará comanda esse mercado.

Essa cera a gente exporta para a Europa, Estados Unidos e Japão. Importa essa mesma cera beneficiada, afinada, para passar nos melões e melancias para exportar. Nós não temos tecnologia. O que a gente deseja é que exista uma política de desenvolvimento de tecnologia de utilização dos produtos nossos. É um problema nacional.

Nos anos 1970 e 1980 a exportação ainda era importante. Também houve falta de organização mercantil. Já que somos os únicos produtores, era para ter um controle da exportação. Mas não, a gente se submete a importadores.

A laranja começou a ser exportada na virada do século XIV. Foi exportando, mas sem ter controle de qualidade. Em outras palavras, a laranja exportada daqui chegava metade podre. Era produzido na serra de Uruburetama, Baturité, Maranguape. Por isso que existe laranja no meio mato.

A laranja perdeu mercado no começo do século XX, em 1919/20. Laranja de excelente qualidade. Muito melhor do que essa laranja pêra que a gente come. O Ceará foi pioneiro no Brasil. Foi só pioneirismo, não se desenvolveu. Me preocupou muito a perda dessas laranjas de qualidade de exportação, que são essas laranjas de Russas. Se ninguém pesquisar, vai perder esse material genético.

Em 1963/64, a Uniteds Fruits (agora parte United Brands) chegou no Nordeste e queria se instalar no Vale do Açu, Rio Grande do Norte. Isso teria repercussão nacional. As empresas daqui não deixaram eles entrarem. Se tivessem entrado naquela época, o Brasil seria o maior exportador mundial de banana. Daí a gente atrasou 50 anos até começar a exportar frutas. O pessoal de São Paulo ficou de cabelo em pé. Seria o portão de ouro para exportação de frutas brasileiras. Chamo isso de xenofobismo, um xenofobismo injustificado. Com isso aí, estaríamos exportando bilhões de dólares.

Agora que está começando a atrair investimentos estrangeiros. A banana, das frutas tropicais, é como se fosse uma locomotiva de transportes. Melão é da cesta, melancia uva também são de cesta. Mas o que pode puxar a locomotiva da exportação de fruta chama-se banana. Nós ainda não estávamos conseguindo exportar nesse nível, por conta da entrada das empresas estrangeiras na produção

Jornal O Povo 23 Nov 2009 –

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Um comentário:

  1. Demartone, excelente artigo do YOSHIO.

    Nosso BLOG: http:eduardmag.blogspot.com

    Um abraço, gosteio do seu blog

    EDUARDO MAGALHÃES

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