sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Viver É Impreciso, Mas É Belo

Viver É Impreciso, Mas É Belo...

José Lemos*

...Navegar é preciso e fascinante.

Talvez eu faça uma leitura sem sentido do belo poema de Fernando Pessoa. A interpretação que me permito é a de que a vida é imprevisível. Isto porque a nossa trajetória neste planeta é marcada por fortes componentes aleatórios. Há indefinições no que pode nos ocorrer durante a nossa breve estada por aqui. Planos bem traçados podem esbarrar em acontecimentos desagradáveis. Não é por acaso que os cristãos quase sempre usam a expressão “se Deus quiser”, quando se referem a algo que acontecerá no futuro.

O termo técnico “Esperança de Vida ao Nascer” tenta aferir o tempo médio de vida. Sem entrar em meandros técnicos para não tornar a leitura deste texto enfadonha, apenas lembro que esperança matemática é a famosa média aritmética. Conceitualmente significa associar aos anos de vida uma probabilidade. Apenas aos eventos aleatórios associam-se probabilidades. Assim, ao nascer, cada um de nós tem uma probabilidade de viver determinado numero de anos. Não há garantias de que aqueles anos sejam vividos. O ambiente em que vivemos, o estilo de vida, as posses, o acesso aos serviços essenciais, são alguns dos elementos que ajudam para se ter uma vida mais longa e saudável.

Sendo aleatória, a vida pode nos aprontar acontecimentos imprevisíveis e imponderáveis. Eventos que imaginamos somente acontecerem depois da porta das nossas casas, podem bater na nossa própria porta. Por isso, pode ser que num dia sejamos surpreendidos por situações de incertezas. Daí a interpretação: viver é impreciso.

Os seres humanos, em muitos casos, apenas conseguem dar valor à vida quando se deparam com fatos que achavam jamais chegassem à sua casa. Nesses momentos partem para a reflexão no que provavelmente acreditam ter feito de errado e tentam buscar explicações que talvez não encontrem, justamente por acreditarem que sempre fizeram tudo de forma correta. Este é um comportamento quase que normal da espécie humana.

Se a vida é assim por que então não aproveitá-la em plenitude? Talvez observando as coisas simples possamos encontrar um viver com mais qualidade. Que tal o acordar cedo e sair por ai ouvindo as primeiras manifestações de vida no canto dos pássaros, nos primeiros raios de sol, no orvalho sobre as folhagens das ruas? Por que não olhar em volta e cumprimentar as pessoas? Por que não apreciar o cair da chuva e sentir aquele odor de terra molhada? Um dos bons aromas da vida! Por que não chegar ao trabalho e cumprimentar a cada um dos colegas, sobretudo aqueles que exercem as funções mais humildes?

A minha mãe ao levantar-se sempre agradecia por mais um dia de vida. Eu, ainda criança, não entendia bem o porquê daquele ritual diário daquela mulher que foi o principal pilar na estrutura moral e ética da nossa família. Mal eu sabia que ali estava uma dentre tantas das suas sabedorias aprendidas longe das escolas, mas com a vida que lhe foi longa.

Navegar é fascinante. Enveredar por caminhos seguros, ainda que mais longos, é um desafio. Em nossa trajetória por este planeta às vezes somos tentados a trilhar por atalhos. Buscas mais rápidas para atingir objetivos. Será que vale a pena chegar a um objetivo num instante? A busca frenética de riqueza material e de poder seria bom objetivo a ser perseguido? Os meios justificam os fins? Ainda que se acredite que os fins sejam nobres?

Desenhamos uma trajetória e, no meio do caminho podemos ser surpreendidos por um ataque cardíaco, um acidente de automóvel, um câncer... Não devemos então fazer projetos? Claro que devemos. E muitos. Contudo precisamos estar atentos para as armadilhas que podem se nos aparecer. Pode ser que não tenhamos tempo de pedir desculpas para pessoas que nos amam e que magoamos com atitudes, palavras gestos. Ter em mente que navegar sempre é preciso, mas viver não é preciso. É aleatório.

Professor Associado na UFC. www.lemos.pro.br.

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