quinta-feira, 18 de março de 2010

A fortaleza e o estaleiro

Artigo
A fortaleza e o estaleiro
Maria Juraci Maia Cavalcante
13 Mar 2010
Para uma cidade do litoral que nasceu inclusive em torno de uma fortaleza, não deveria espantar a ninguém se nela viesse a ser instalado agora o badalado estaleiro. Segundo algumas avaliações técnicas já postas em discussão, caso seja realizado o tal imprescindível e súbito empreendimento, não será a população da praia do Titanzinho a única atingida, dado o impacto ambiental que causará fatalmente no mar e na terra. Argumentos a favor da preservação da beleza e poesia da paisagem litorânea, das ondas afeitas à prática do surfismo, do local de moradia das pessoas aí radicadas, do planejamento municipal participativo e, até mesmo do também polêmico e antes anunciado Oceanário, têm sido conclamados ao debate público sobre o assunto para sensibilizar e demover o governo estadual dessa ideia.

Fala-se aliás no assunto, como se fosse uma grande novidade, quando sabemos que a Indústria Naval do Ceará (Inace) tem o seu est aleiro instalado em linha fronteiriça à área central e antiga de Fortaleza, desde a década de 1960. Trata-se de uma empresa privada, a quem foi permitida a ocupação daquela faixa de litoral, já por quatro décadas, para a atividade da pesca, a construção de barcos, navios, iates e criação de um hotel de luxo: o Marina Park. Este fato explicaria em parte porque aquela faixa do litoral de Fortaleza tenha permanecido durante muito tempo sempre tão estranha, desértica, inacessível, suja e feia, quando comparada ao lado oposto, onde foi surgindo passo a passo a bela, elitista, popular e turística avenida Beira-Mar?

O que parece mais admirável nisso tudo é que os projetos de vitalização de Fortaleza vão surgindo há décadas feito coelhinhos de uma cartola mágica, ao sabor da vontade e criatividade dos gestores públicos e privados de plantão. A população em geral tem sido surpreendida ao longo do tempo com a destruição de tudo que se pareça com o antigo e a edificação de obras novidadeiras e mirabolantes, a tal ponto que seria muito difícil listá-las todas em espaço tão curto. Havendo boa memória todos poderemos compor uma lista de quatro ou cinco intervenções urbanas nesta cidade que ainda nos causam espanto mesmo muito tempo depois.

Não será uma surpresa se qualquer dia desses alguém estiver a destruir o que resta da parte mais antiga da cidade, para dar lugar a algo muito mais valoroso do que, por exemplo, a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, símbolo afinal do abominável domínio colonial. Quem sabe, venha outro a propor a construção de uma nova cidade ou forte, para além dos seus marcos territoriais atuais e históricos? Quando isso acontecer por completo, a capital do Ceará também já terá sofrido uma industrialização tardia, acompanhada de uma ainda maior violência urbana e implosão turística e imobiliária? E se no meio disto tudo ela for engolida por um Tsunam i e tiver se mudado para a zona Norte ou Sul? Restarão os barcos virados do magnífico estaleiro e as ruínas de uma urbanidade feita de idiossincrasias e caprichos? Ora, ora, mas pensar em coisas tão pouco auspiciosas deverá fazer rir a quem governe a cidade, como se fosse a sua própria casa, não é mesmo?

Maria Juraci Maia Cavalcante- Professora UFC
juramaia@hotmail.com

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