sábado, 17 de abril de 2010

Homem

Não se pode definir o homem pelos dotes ou meios com que conta, já que não está dito que esses dotes, esses meios, logrem o que os seus nomes pretendem, ou melhor, que sejam adequados à pavorosa lide em que, queira ou não, está. Dito de outro modo: o homem não se ocupa em conhecer, em saber, simplesmente porque tenha dons cognoscitivos, inteligência, etc. - mas ao contrário porque não tem outro remédio que intentar conhecer, saber, mobilizando os meios de que dispõe, embora estes sirvam muito mal para aquele mister. Se a inteligência humana fosse de verdade o que a palavra indica - capacidade de entender - o homem teria imediatamente entendido tudo e estaria sem nenhum problema, sem lide penosa pela frente. Não está, pois, dito que a inteligência do homem seja, com efeito, inteligência; em troca, a lide em que o homem anda irremediavelmente metido, isso sim é que é indubitável - e, portanto, isso sim é o que o define! Essa lide - segundo dissemos - chama-se «viver» e o viver consiste em que o homem está sempre em alguma circunstância, onde se acha de imediato e sem saber como, submerso, projetado num orbe ou contorno insubstituível, neste de agora

Ortega y Gasset


*

Nenhum comentário:

Postar um comentário