segunda-feira, 26 de abril de 2010

A Quem Interessa Criar Novos Municípios no Brasil?

De forma recorrente aparecem detentores de mandatos parlamentares, quase sempre “muito bem intencionados” que sugerem que devem ser introduzidos na Constituição Federal instrumentos que facilitem a emancipação de povoados ou distritos, transformando-os em novos municípios. Usam o argumento que acreditam ser infalível de que, se continuarem como povoados jamais se desenvolverão.
Uma estranha “coincidência” dessas demandas é que esses deputados ou senadores apenas identificam a necessidade de emancipações de distritos quando os municípios são administrados por seus adversários políticos. Quando a administração municipal é de aliados, os problemas dos povoados desaparecem por encanto.
Salvo pouquíssimas exceções, esses novos municípios com populações muito pequenas ficam piores do que aqueles de onde se emanciparam como passarei a discorrer a partir de estatísticas do IBGE. Em 2007, último ano para o qual se dispõe de informações, existiam 5.563 municípios no Brasil. Desse total, 72% tinham populações inferiores a 20.000 habitantes. Grande parte deles recentemente emancipados.
Para o Nordeste o IBGE catalogou, em 2007, um total de 1.793 municípios, dos quais, 1.224, ou 68,3%, tinham população menor que 20.000 habitantes. Nesses municípios moravam 12,19 milhões de pessoas com um PIB per capita de R$ 3.725,56 no ano. O PIB per capita do Nordeste, da ordem de R$ 6.749,00, foi o menor do Brasil, cujo valor naquele ano foi de R$ 14.464,73. O salário mínimo mensal em 2007 foi de R$ 380,00, ou R$ 4.560,00 no ano. Ou seja, quem sobrevivia nos pequenos municípios, grande parte recém-emancipados, tinha renda média que representava 81,7% do salário mínimo brasileiro. Além disso, 96,1% da população desses municípios recentemente criados sobrevive em domicílios cuja renda varia de zero a dois salários mínimos. Cada domicilio tem em média quatro (4) pessoas o que proporciona uma renda média pessoal de R$ 81,00 mensais.
As carências sociais são generalizadas, haja vista que 54,2% da população não têm acesso à água encanada; 84,4% não têm destino adequado para os dejetos humanos; e a taxa de analfabetos é de 25,8%. A escolaridade média nos pequenos municípios do Nordeste é de 3,1 anos, enquanto no Brasil é de sete anos, e 6,5 anos no Nordeste.
A quase totalidade dos municípios do Nordeste não tem renda própria e sobrevive das transferências Federais, sob a forma de FPM, FUNDEB, aposentadorias, pensões e da Bolsa Família. Todas essas fontes de renda serão divididas por algum fator se o município for desmembrado. Por outro lado, o novo município precisará ter sede administrativa, câmara de vereadores, prefeito, vice-prefeito, secretários municipais... Tudo isso será pago com os recursos divididos devido à emancipação.
A não ser que toda essa gente esteja imbuída de elevado espírito público de desprendimento, alocando parte do seu tempo em trabalhos voluntários para melhorar a qualidade de vida no novo município, não há benefícios visíveis dessas criações para as populações. Como não haverá esse altruísmo, muito pelo contrário, a emancipação se traduzirá estorvo para as populações e em bônus para alguns poucos que assumirão cargos e que, por sua vez, se transformarão em cabos eleitorais do, ou dos deputados e senadores autores dos projetos que estão mais interessados na própria carreira política.
A atitude sensata seria criar um projeto de Emenda à Constituição Brasileira que não permitisse a existência de municípios com menos de trinta mil habitantes. Todos aqueles municípios que atualmente tem população menor que esse piso deveriam ser incorporados para atingi-lo. Com isso seria reduzido a quase metade o atual número de prefeitos e vereadores. Apenas com essa medida seriam liberados recursos que seriam utilizados, por exemplo, perfurando poços tubulares profundos e ampliando a rede de distribuição de água; construindo mais redes de esgotos e fossas sépticas; ampliando a rede de escolas; pagando melhores salários para professores, dentre outros destinos mais nobres. No semi-árido do Nordeste, parte dos recursos seria utilizada para a construção de cisternas de placas. Além disso, deveria ser exigido ao menos o nível médio de qualificação para quem quisesse ser candidato a prefeito e vice-prefeito e ao menos um ano de treinamento numa Escola de Formação de Governantes, onde aprenderiam como lidar com recursos públicos e também a fazer a saudável distinção entre o que é publico e o que é privado. Essas medidas, aliadas a uma fiscalização mais rigorosa da sociedade sobre as ações desses administradores, seriam o inicio para se construírem políticas de fato comprometidas com o bem-estar das populações carentes.

*Professor Associado na UFC


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