De forma recorrente aparecem detentores de mandatos parlamentares, quase sempre “muito bem intencionados” que sugerem que devem ser introduzidos na Constituição Federal instrumentos que facilitem a emancipação de povoados ou distritos, transformando-os em novos municípios. Usam o argumento que acreditam ser infalível de que, se continuarem como povoados jamais se desenvolverão.
Uma estranha “coincidência” dessas demandas é que esses deputados ou senadores apenas identificam a necessidade de emancipações de distritos quando os municípios são administrados por seus adversários políticos. Quando a administração municipal é de aliados, os problemas dos povoados desaparecem por encanto.
Salvo pouquíssimas exceções, esses novos municípios com populações muito pequenas ficam piores do que aqueles de onde se emanciparam como passarei a discorrer a partir de estatísticas do IBGE. Em 2007, último ano para o qual se dispõe de informações, existiam 5.563 municípios no Brasil. Desse total, 72% tinham populações inferiores a 20.000 habitantes. Grande parte deles recentemente emancipados.
Para o Nordeste o IBGE catalogou, em 2007, um total de 1.793 municípios, dos quais, 1.224, ou 68,3%, tinham população menor que 20.000 habitantes. Nesses municípios moravam 12,19 milhões de pessoas com um PIB per capita de R$ 3.725,56 no ano. O PIB per capita do Nordeste, da ordem de R$ 6.749,00, foi o menor do Brasil, cujo valor naquele ano foi de R$ 14.464,73. O salário mínimo mensal em 2007 foi de R$ 380,00, ou R$ 4.560,00 no ano. Ou seja, quem sobrevivia nos pequenos municípios, grande parte recém-emancipados, tinha renda média que representava 81,7% do salário mínimo brasileiro. Além disso, 96,1% da população desses municípios recentemente criados sobrevive em domicílios cuja renda varia de zero a dois salários mínimos. Cada domicilio tem em média quatro (4) pessoas o que proporciona uma renda média pessoal de R$ 81,00 mensais.
As carências sociais são generalizadas, haja vista que 54,2% da população não têm acesso à água encanada; 84,4% não têm destino adequado para os dejetos humanos; e a taxa de analfabetos é de 25,8%. A escolaridade média nos pequenos municípios do Nordeste é de 3,1 anos, enquanto no Brasil é de sete anos, e 6,5 anos no Nordeste.
A quase totalidade dos municípios do Nordeste não tem renda própria e sobrevive das transferências Federais, sob a forma de FPM, FUNDEB, aposentadorias, pensões e da Bolsa Família. Todas essas fontes de renda serão divididas por algum fator se o município for desmembrado. Por outro lado, o novo município precisará ter sede administrativa, câmara de vereadores, prefeito, vice-prefeito, secretários municipais... Tudo isso será pago com os recursos divididos devido à emancipação.
A não ser que toda essa gente esteja imbuída de elevado espírito público de desprendimento, alocando parte do seu tempo em trabalhos voluntários para melhorar a qualidade de vida no novo município, não há benefícios visíveis dessas criações para as populações. Como não haverá esse altruísmo, muito pelo contrário, a emancipação se traduzirá estorvo para as populações e em bônus para alguns poucos que assumirão cargos e que, por sua vez, se transformarão em cabos eleitorais do, ou dos deputados e senadores autores dos projetos que estão mais interessados na própria carreira política.
A atitude sensata seria criar um projeto de Emenda à Constituição Brasileira que não permitisse a existência de municípios com menos de trinta mil habitantes. Todos aqueles municípios que atualmente tem população menor que esse piso deveriam ser incorporados para atingi-lo. Com isso seria reduzido a quase metade o atual número de prefeitos e vereadores. Apenas com essa medida seriam liberados recursos que seriam utilizados, por exemplo, perfurando poços tubulares profundos e ampliando a rede de distribuição de água; construindo mais redes de esgotos e fossas sépticas; ampliando a rede de escolas; pagando melhores salários para professores, dentre outros destinos mais nobres. No semi-árido do Nordeste, parte dos recursos seria utilizada para a construção de cisternas de placas. Além disso, deveria ser exigido ao menos o nível médio de qualificação para quem quisesse ser candidato a prefeito e vice-prefeito e ao menos um ano de treinamento numa Escola de Formação de Governantes, onde aprenderiam como lidar com recursos públicos e também a fazer a saudável distinção entre o que é publico e o que é privado. Essas medidas, aliadas a uma fiscalização mais rigorosa da sociedade sobre as ações desses administradores, seriam o inicio para se construírem políticas de fato comprometidas com o bem-estar das populações carentes.
*Professor Associado na UFC
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