terça-feira, 20 de abril de 2010

A Vida de Horácio Bessa Sobrinho

(*) José Nelson Bessa Maia



A 12 de outubro de 1939, falecia em Fortaleza, aos 50 anos, o tabelião Horácio Bessa Sobrinho, natural de Beberibe (CE), deixando viúva Maria Carmozita Campelo Bessa e os filhos José Caubi, Luiz Irapuan, Francisco Jurandir, Maria Juraci, Manoel Wilson e Maria Itamê. Em sua curta vida na Terra, Horácio foi um bom filho, um pai de família extremoso, um patrão justo, um empreendedor íntegro, um funcionário público cumpridor de seu dever e um cidadão respeitado.



De veia política, transmitida pelo seu bisavô Ignacio, chefe político em Russas, e o tio-bisavô, o Cônego Francisco Ribeiro Bessa (1823-1890), deputado provincial por quatro vezes, Horácio desde os dezoito anos já era vereador na pequena vila de Beberibe onde nascera e se criara. No entanto, o tino comercial e a tendência para os negócios foram mais fortes e cedo o levaram a separar-se da sociedade comercial com o pai, Octavio Ribeiro Bessa (1866-1920), e procurar seu próprio caminho. Transferiu-se para Cascavel, a vizinha e então progressista cidade, em busca de maiores chances e lá se associa com outro empreendedor para implantar a panificadora “15 de Novembro”. O êxito no intento logo faz com que ele diversifique a atividade e instale a fábrica de cigarros “Progresso”.



A sorte está a seu lado, e ele ganha com seu tio a sorte grande da Loteria Federal no final de 1913, o que lhe valeu a grande soma de 20:000$000. Com esse dinheiro, Horácio comprou terras para lavoura de cana e preparou-se para casar. Apaixonado pela filha do juiz Manoel Sancho Campelo, Carmozita, então recentemente transferido para Cascavel, pede logo sua mão em casamento. Após alguma relutância do pai da jovem, que não o conhecia, Horácio casa-se três meses depois.



A vacância do Cartório do 2o Ofício em Cascavel atraiu o interesse de Horácio que entra no concurso pela vaga de tabelião. Em julho de 1914, ele toma posse como tabelião e escrivão do júri da Comarca. No entanto, o seu espírito empreendedor e a presença de seu sogro como Juiz de Direito obrigam-no a pedir reiteradas licenças. Nesses momentos de folga da função pública é que Horácio constrói o Solar “Vila Itamê”, monta sua indústria de aguardente no Sítio São Bernardo e começa a engarrafar com sucesso a cachaça “Lourinha”, cujos rendimentos seriam o sustentáculo para a dispendiosa educação dos filhos nos melhores colégios de Fortaleza e nas Universidades do Sul do País. A partir de 1919, o Solar dos Bessas em Cascavel passa a ser uma das casas mais freqüentadas da região pela sociedade local, as lideranças políticas municipais e até da capital e até mesmo pelos desprivilegiados da sorte em busca da esmola ou de emprego nos canaviais e no engenho. O prestígio de Horácio cresce e ele começa a incursionar na política municipal.



Os desmandos e as perseguições da política cearense durante a década de 20 frustam Horácio, tornando-o cada vez mais descrente nos “homens da República Velha” e crescentemente interessado na renovação prometida pelo Movimento Tenentista. Mesmo a repressão do Governo Mattos Peixoto (1928-1930) aos opositores não impede Horácio de apoiar abertamente a “Caravana da Aliança Liberal” em sua estrepitosa visita ao Ceará em fevereiro de 1930, cuja comitiva ele hospedou em seu Solar. Recompensado pelo apoio, a vitoriosa Revolução de 30 granjeou-lhe a disputada posição de prefeito interventor de Cascavel. Sua administração pautou-se pela “assepsia” na máquina municipal, devassas na gestão anterior, aumento na arrecadação de impostos, melhorias na instrução pública e conclusão do Mercado Municipal. As mudanças na Prefeitura receberam o aplauso da população, mas renderam a Horácio inimizades políticas que haveriam de lhe incomodar pelo resto de sua vida.



A queda do interventor estadual, Fernandes Távora, de quem era correligionário, apressou a saída de Horácio do cargo, mais uma vez desiludido com a política. Além de dedicar-se ao Cartório, à fábrica de aguardente e à lavoura, ele adquiriu uma grande fazenda (1800 hectares) na localidade de Patos do município de Morada Nova, realizando um antigo sonho de tornar-se criador de gado, como foram seus ancestrais desde o pentavô português, Manuel Ribeiro Bessa (1683-1769), que primeiro se estabeleceu na ribeira do rio Jaguaribe nos idos de 1728. Apesar dos incômodos da viagem, realizada a cavalo ou na boléia de caminhão, Horácio acompanhava de perto a administração da fazenda, localizada próxima a um belo Serrote. Para gerir esse patrimônio, Horácio valeu-se de valorosos vaqueiros como Antônio Cirilo e Zacarias dos Santos Oliveira, o último dos quais faleceu recentemente aos 92 anos guardando apreço à memória de seu amigo Horácio através de mais de 20 cartas que preservou à posteridade.



Na década de 30, Horácio educou os dois filhos mais velhos, Caubi e Irapuan, no Rio de Janeiro e Belo Horizonte, cursando, respectivamente, Medicina e Veterinária. Horácio tinha planos ambiciosos para eles. Queria-os estabelecidos em Fortaleza e envolvidos nos negócios da família e na política local. O pragmatismo de Horácio se justificava: a cardiopatia que o perseguia desde meados da década de 20. Com a piora da doença a partir de 1937, Horácio ansiava pela volta do filho primogênito para assumir o papel que tinha estabelecido para ele. A formatura estava próxima e Horácio ansiava por rever o filho após dois longos anos de ausência. Caubi colou grau em Medicina no Rio de Janeiro no final de 1938 e Horácio preparou uma grande festa para recepcioná-lo no Natal daquele ano. Mas Caubi não voltou, limitando-se a um telegrama lacônico informando que não poderia retornar naquela ocasião. Horácio ficou muito abatido com a recusa do filho em regressar e viu todo o seu mundo desmoronar. A partir de então, contrariado, ele jamais voltou a ver o filho, pois morreria dez meses depois.



(*) José Nelson é economista e sócio efetivo da Associação Brasileira de Pesquisadores de História e Genealogia-ASBRAP, de São Paulo.


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