segunda-feira, 31 de maio de 2010

Balanço das Relações Internacionais do Ceará (1987-2009)

José Nelson Bessa Maia


Jornal O POVO
Fortaleza, 31 Mai 2010

Por muito tempo uma das áreas mais atrasadas do Brasil, a situação do Ceará começou a mudar no final dos anos 80 do século XX. O choque fiscal de 1987 e a continuidade da responsabilidade fiscal em cinco gestões consecutivas de Governo estadual converteram o Ceará em um modelo para entes subnacionais no Brasil e noutros países em desenvolvimento.

Com efeito, a continuada austeridade fiscal, de 1987 até hoje, reduziu os gastos de pessoal & de 92,3% das receitas correntes, no período 1979-85, para menos de 50%, no intervalo 2001-2009, e liberou recursos orçamentários para aplicação em investimentos e cumprir pontualmente o serviço da dívida, garantia de novos financiamentos internos e externos.

Em outras palavras, a geração de superávits primários (receitas menos despesas correntes exclusive juros da dívida) formou a base para estabelecer a credibilidade do Estado em níveis que lhe abriram acesso a recursos externos para financiar investimentos de longo prazo.

Além da responsabilidade fiscal, outro elemento contribuiu para acelerar o desenvolvimento do Ceará. Trata-seda chamada para-diplomacia, ou a iniciativa do Estado subnacional no campo internacional. De fato, com a ajuda externa, o Ceará investiu em recursos hídricos e se tornou mais resistente às seculares intempéries do clima semi-árido, além de robustecer sua economia pela construção de infraestrutura para o melhor aproveitamento de suas vantagens comparativas na agroindústria, nas indústrias têxteis, de confecções e calçados, na fruticultura de exportação e no turismo.

Exportações

Um dos ingredientes dessa bem-sucedida estratégia de desenvolvimento local foi a promoção das exportações, em especial de produtos da indústria de transformação. A entrada em operação do complexo portuário de Pecém (em 2001) e o esforço promocional no exterior (até 2006), viabilizado pelo arcabouço institucional do Estado criado para gerenciar a internacionalização e pela parceria do governo estadual com o Sebrae/CE e a Federação das Indústrias (Fiec), ajudaram ao setor privado cearense a ampliar as receitas de exportação, da modesta marca de US$ 219,6 milhões, em 1989, para US$ 527,6 milhões, em 2001, até alcançar US$ 961,8 milhões em 2006.

De fato, para esse resultado contribuíram os esforços paradiplomáticos liderados pelo governo estadual, entre 1998 a 2006, no sentido de expandir a base de empresas exportadoras (estimulando a pequena e média empresa a exportar) e abrir mercados em países europeus (Espanha, Itália, Holanda e Portugal), africanos (Angola, Cabo Verde, Senegal) e asiáticos (China) por meio do envio de frequentes missões comerciais. A partir de 2007, com o desmonte das instituições de promoção internacional no Estado (a assessoria internacional e a SDE), as exportações perderam o dinamismo, mas ainda assim alcançaram a marca de US$ 1.274,9 milhões em 2008, sofrendo recuo em 2009 em virtude da crise global.

Para o desempenho exportador cearense também concorreu o salutar aumento nas importações de bens de capital e produtos intermediários que ajudou a modernizar a indústria local e permitiu-lhe capacidade para competir nos mercados externos. De modestos níveis de importação em 1989 (US$ 551,6 milhões), o Ceará importou US$ 1.038,6 milhões em 2006, alcançando marca de US$ 1.558,4 milhões em 2008.

Outro elemento importante na estratégia de internacionalização do Ceará foi a formação de um segmento turístico com grande poder multiplicador de renda e emprego. A criação da secretaria estadual do turismo (em 1995) e a formulação de política para o setor levaram o Ceará a se tornar um importante destino do turismo internacional. O Ceará conseguiu em tempo recorde expandir o ingresso de turistas estrangeiros, que saltou de 38 mil visitantes em 1995, para a marca de 222.000 em 2008. De 1995 a 2008, o PIB do turismo mais do que duplicou sua participação no PIB cearense, passando a 13,6% do total no último ano.

O sucesso alcançado pela reforma fiscal do Ceará levou a uma sólida credibilidade financeira e a um fluxo contínuo de captação de empréstimos externos junto a organismos financeiros internacionais, a exemplo do Banco Mundial e BID e de agências bilaterais da Alemanha (KfW) e do Japão (JBIC) para financiar projetos de investimento em infraestrutura física e social. De 1989 a 2009, o Ceará contratou diretamente (com aval da União) 25 operações de crédito externo no valor total de US$ 1,97 bilhão, aportando pelo menos mais um terço disso em contrapartida local e consolidando uma das maiores carteiras de empréstimo internacional dentre os Estados brasileiros.

Após duas décadas de bem-sucedida estratégia de modernização e progresso material e social, parece que o Ceará se encontra em certa fadiga e novamente à espera das iniciativas do Governo Federal. Urge, portanto, o Ceará rever esse estado de aparente apatia e buscar retomar uma estratégia própria de desenvolvimento. Para tal, cabe restabelecer a ênfase na internacionalização de sua economia por meio do restabelecimento de um sistema de paradiplomacia (uma secretaria internacional e uma efetiva agência de promoção de exportação) para promover a articulação com resto do mundo, de modo a potencializar suas exportações e o turismo estrangeiro, atrair mais investimentos diretos externos e avançar ainda mais na captação de recursos e assistência técnica de organismos internacionais.

José Nelson Bessa Maia é economista, mestre em Economia pela Universidade de Brasília (UnB), ex-assessor internacional do Governo do Ceará (1995-2006) e doutorando de relações internacionais na UnB. E-mail: nbessa@unb.br.

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