sexta-feira, 30 de julho de 2010

Lula e Collor, Finalmente Juntos

José Lemos*
Eu e o meu irmão, únicos da prole comum dos nossos pais, recebemos ensinamentos sólidos que nos conduziram pela vida. Dona Amélia, a nossa mãe, era uma mulher de nenhuma posse, aparência frágil, sem instrução formal, nascida e criada no bairro do Ponte em Caxias, Maranhão. Ali, com duas mães de criação egressas do Ceará, tangidas por uma das graves secas, aprendeu fundamentos religiosos e domésticos que a fariam uma mulher de grande dignidade e a verdadeira fortaleza moral da nossa pequena e humilde família.
Católica praticante, a nossa mãe nos conduziu com fundamentos de respeito ao próximo, distanciamento de tudo que não se soubesse a origem. Quando crianças, não nos era permitido “achar” qualquer bem material. Uma vez “achado” tínhamos que devolver ao local onde o havíamos encontrado. Com essa simples e prática orientação aprendemos ainda cedo que somente poderíamos ter conquistas vindas do nosso trabalho.
Trabalho que iniciamos ainda na fase tenra da vida, e isso não nos impediu de, ancorados nos ensinamentos que aquela mulher nos deu, construir um futuro e dar um salto qualitativo nas nossas vidas. Sempre que tínhamos qualquer desvio de conduta, a correção vinha com palmadas desferidas com as mãos, ou mesmo com um pequeno pedaço de “sola” de couro que mantinha em casa para essas eventualidades. Trabalhar enquanto criança, para ajudar no parco orçamento familiar, não nos criou problemas. Assim como não causaram “traumas” as “correções” que eram feitas com aquele pequeno pedaço de “sola”.
Jamais imaginaríamos, por aquela época, que atos assim seriam “criminalizados” no Brasil, enquanto lesar o patrimônio público, enriquecer sem trabalhar, ser honorável bandido, iriam passar “desapercebidos”, desde que praticados por figurões que tenham proximidade de quem tem poder. Não havia duas categorias de cidadão explicitadas pelo próprio Presidente da República. Os “comuns” que cumprem as leis, trabalham arduamente, controlam o orçamento para caber em cada mês. Mas também têm os “incomuns” para os quais a legislação do País não se aplica. Podem acumular riqueza sem jamais terem demonstrado capacidade empresarial, ou sem trabalhar, ou sem ter talento reconhecido em qualquer setor. Enriquecem à custa dos cofres públicos. Fazem malabarismos incríveis para estarem sempre por perto de poderosos. Quando são distanciados pela vontade popular, sempre aparecerão corpos de jurados ancorados em “fartos argumentos”, para lhes devolverem a condição que os meios democráticos haviam-lhes negado.
A minha mãe foi testemunha ocular e sofreu muito quando por ocasião da primeira eleição para Presidente da República em 1989 eu mergulhei de corpo e alma na campanha para levar para o poder um operário. Eu e milhões de brasileiros avaliávamos que mais do que eleger um homem com uma historia parecida com a de tantos brasileiros, o importante era não deixar que um aventureiro tomasse de assalto o poder. Sem trocadilhos.
Na época, a situação do candidato operário era menos confortável, de um ponto de vista financeiro, do que hoje, em que transformou-se num homem rico de um partido idem. Por isso, nós, militantes de todas as posses, financiamos parte da campanha comprando bandeiras, camisas, símbolos, adesivos, todo o material de propaganda. Contribuímos com informações na elaboração do programa de Governo. Na época a campanha se acirrou, ficou maniqueísta. Ou se era o “Bem” ou se era o “Mau”. O “Bem” significava estar do lado do candidato operário. O “Mau” significava estar do lado do candidato que era acusado de aventureiro pelo próprio adversário. O mesmo maniqueísmo de agora.
Perder aquela eleição foi um sofrimento muito grande para mim. Coloquei bandeira preta no meu carro. A minha mãe acompanhava o meu sofrimento e sempre dizia, na sua sabedoria, que todos eram iguais e que um dia estariam juntos.
Decorridos apenas 21 anos, os “inimigos” de 1989 estão bem juntinhos. O slogan da campanha de Collor para o Governo de Alagoas é uma pérola de criatividade: “Dilma apóia Collor, que é amigo de Lula, que apóia Collor e inventou Dilma”. Lindo!
Lula conquistou parte da minha simpatia e de tantos outros fazendo denuncias contundentes ao então Presidente da “Nova Republica”, cuja filha se auto-credenciou como a “Musa do Impeachment de Collor”. Hoje estão todos juntos, felizes e apoiando-se mutuamente. A vontade de se perpetuarem no poder os aproximou, os faz merecerem-se e lhes retira as diferenças. Se é que algum dia elas existiram. Acreditam, e tem razão, na falta de memória dos brasileiros. Tentam nos convencer que eles agora são o “Bem” e os outros são o “Mau”. Como fizeram em 1989 e eu, mais tantos outros, acreditamos.
Mamãe morreu em 1994 e não viu concretizar-se o que a sua sabedoria, sem escolaridade, profetizou e a minha ignorância, com escolaridade, não foi capaz de captar.

*Professor Associado na UFC.


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