sábado, 14 de agosto de 2010

Moral

As crianças ficam todas contentes quando encontram na praia algumas conchas coloridas; nós preferimos enormes colunas variegadas, importadas das areias do Egito ou dos desertos da África para a construção de algum pórtico ou de um salão de banquetes com capacidade para uma multidão. Olhamos com admiração paredes recobertas de placas de mármore, embora cientes do material que lá está por baixo. Iludimos os nossos próprios olhos: quando recobrimos os tetos a ouro o que fazemos senão deleitar-nos com uma mentira ? Sabemos bem que por baixo desse ouro se oculta reles madeira! Mas não são só as paredes ou os tetos que se recobrem de uma ligeira camada: também a felicidade destes aparentes grandes da nossa sociedade é uma felicidade «dourada»! Observa atentamente, e verás a corrupção que se esconde sob essa leve capa de dignidade. Desde que o dinheiro (que tanto atrai a atenção de inúmeros magistrados e juízes e tantos mesmo promove a magistrados e juízes!...), desde que o dinheiro, digo, começou a merecer honras, a honra autêntica começou a perder terreno; alternadamente vendedores ou objetos postos à venda, habitua-mo-nos a perguntar pela quantidade, e não pela qualidade das coisas. Somos boas pessoas por interesse, somos bandidos por interesse, praticamos a moralidade enquanto dela esperamos tirar lucro, sempre prontos a inverter a marcha se pensamos que o crime pode ser mais rendível. Os nossos pais habituaram-nos a dar valor ao ouro e à prata, e a cupidez que assim nos foi instilada ganhou raízes e foi crescendo conosco. Toda a gente, ao fim e ao cabo tão díspar em tudo o mais, está de pleno acordo quanto ao «vil metal»: só a ele aspira, só a ele deseja para os seus, e é ele a coisa mais preciosa que encontra para oferecer aos deuses em ação de graças! A moralidade pública degradou-se a tal ponto que a pobreza é objeto de maldição e causa de opróbrio, desprezada pelos ricos e odiosa aos pobres.

Sêneca

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