sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O Fim da Utopia?

Na primeira eleição direta depois da redemocratização, em 1989, havia um clima efervescente com debates acalorados reivindicando mudanças em todos os setores da vida brasileira. Na Academia, não poderia ser diferente, fazíamos a nossa parte contribuindo com a criação e a difusão de conhecimentos envolvendo professores e estudantes numa efervescência que transbordava os seus muros, quase sempre fechados.
Não havíamos ainda superado a frustração de não conseguir eleger o presidente da republica já em 1994. Como se não bastasse ter visto os representantes no Congresso Nacional virarem as costas para a população ao não devolver direito de eleger o seu Presidente da República e, ainda ter que aturar, por intermináveis cinco (5) anos, ser governado pelo civil que mais deu suporte ao regime que queríamos sepultar.
Vivemos um período turvo de descontroles administrativos e fiscais, contraídos para assegurar um mandato presidencial de cinco anos na Constituinte de 1988. Algumas das conseqüências daquele caos foi a inflação sair de 100%, no último ano do regime militar, para 80% ao mês em 1989, no final do primeiro governo civil, pós redemocratização. Inflação elevada com estagnação econômica e forte apartação social.
Em 1980 havia sido criado o Partido dos Trabalhadores (PT) que teria em Lula, uma das maiores lideranças sindicais no Brasil pós-regime militar. O PT se auto-definiu como o partido que se oporia a “tudo isso que aí está”. Uma melodia para os nossos ouvidos jovens ávidos por mudanças na construção de uma sociedade justa.
Lula se elegeu Deputado Constituinte, com uma das mais expressivas votações que o eleitorado de São Paulo já houvera dado até então a um Deputado Federal. Por causa daquela votação consagradora, do discurso ético e crítico, foi criada uma grande expectativa em relação à sua participação naquele Congresso Constituinte.
Contudo, a sua participação na elaboração da Constituição foi frustrante e decepcionante. A sua contribuição mais visível foi denunciar que ali havia, ao menos, 300 “picaretas”. Embora espertamente jamais os tenha identificado na integra, nós, do lado de cá, ficamos excitados porque sabíamos que era uma denuncia procedente e conseguíamos imaginar quem seriam os tais “picaretas”.
Na primeira eleição para Presidente em 1989 tínhamos naquele operário o desaguadouro das nossas esperanças de mudanças, de postura ética, de isolamento dos 300 “picaretas”, do respeito à coisa pública. Afinal este era o discurso dele e do seu partido. Perdemos aquela eleição, para o então “inimigo mortal” que era o “caçador de marajás”. Foi um sofrimento muito grande para quem sonhou ver “Lula-lá”.
Vieram as eleições de 1994 e, com elas, nova derrota, agora para o candidato que havia sido o executor do plano de estabilização monetária que recebeu forte oposição do PT e do seu candidato por ser “neoliberal”.
Em 1998, implantada a reeleição, sabe-se lá como, novamente venceu o discurso da estabilidade monetária, das metas inflacionarias, da “Lei de Responsabilidade Fiscal” e das privatizações. Acusado de ser discurso “neoliberal” pelo PT e pelo Lula candidato. As esperanças de ver “Lula-lá” foram mais uma vez postergadas.
Finalmente chegou 2002 e, com ele, as mudanças radicais de postura do candidato e do seu partido. Contrataram Duda Mendonça como marqueteiro. Aquele mesmo que havia sido demonizado anteriormente. O visual do candidato mudou e surgiu o “Lulinha Paz e Amor” com outro discurso, dizendo que tudo o que houvera dito e feito no passado foram “bravatas”. Uma lapada nas nossas costas. Aquilo deveria ser apenas estratégia para ganhar a eleição. Imaginávamos ingenuamente.
Ganhamos a eleição, e o único plano de governo era o “Fome Zero”. O Operário Presidente mostrou que a nova fase era para valer. Manteve acertadamente as políticas de estabilização monetária e fiscal, herdadas do demonizado governo que sucedeu. As privatizações, fortemente criticadas, não foram revistas, e até foram ampliadas. A política de transferência de rendas, que num discurso de candidato eram ditas como obstáculo para a politização dos debates, também foi herdada do Governo anterior e transformou-se no seu grande trunfo de popularidade. O programa “Fome Zero” fez água. Dos 300 “picaretas” retirou boa parte para a sua base de apoio. O símbolo maior dessa fase “light” è o ex “Caçador de Marajás” que se tornou aliado, amigo, e com direito a “jingle” de campanha explicitando a nova condição, para não deixar qualquer dúvida. O “mensalão”, os dólares na cueca e o “caixa dois” foram encarados como normais. O Presidente se empavonou, virou figura onipresente, que se acredita habilitado para falar sobre qualquer tema e capaz de decidir sobre o nosso futuro.
Os nossos sonhos foram arquivados. Teremos que buscar, como sociedade, outros caminhos. A ascensão de Lula e do seu partido tiveram como saldo liquido mostrar que todos são iguais quando assumem o poder. Uma lástima!


*Professor Associado na UFC.

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