terça-feira, 26 de outubro de 2010

A Verdadeira Herança Maldita

José Lemos*
Para o atual Governo o Brasil foi descoberto em janeiro de 2003 com a posse do atual presidente que há muito deixou de ser operário. Antes que os mais afoitos partam para ilações, quero deixar claro que eu fui um dos grandes entusiastas da então candidatura do operário, num tempo em que as campanhas eram financiadas com o nosso próprio dinheiro. Tempos bons aqueles em que eu enchia o meu carro de adesivos e de bandeiras que eu comprava com o meu salário de professor. Fiz assim em 1989 e em 1998 com muito entusiasmo. Em 1994 eu morava nos EUA, mas ainda assim fiz campanha ferrenha pela internet que estava nos seus primórdios. Em 2002 já estava desconfiado com as companhias do candidato. Não me engajei na campanha, mas votei mesmo tapando o nariz. Chorei assistindo ao ato da posse em primeiro de janeiro de 2003. Ainda tinha um restinho de esperança que aquelas alianças eram apenas para tornar o candidato palatável ao statusquo. A proposta do Programa “Fome Zero” me seduzia. Quem tinha compromisso social, com a ética e com a dignidade humana, via naquela proposta um lenitivo. Se o governo não conseguisse fazer nada, mas zerasse os famintos, na minha cabeça já estava de excelente tamanho.
A decepção não tardou. O “Fome Zero” fez água logo no começo. Não havia projeto. Havia muita retórica sem substancia. Além disso, o Presidente desarquivou figuras que já estavam no ostracismo. Começou pela força que deu àquele que ele sempre dizia ser o maior representante do atraso no Brasil. O representante civil na era Militar, cujo Governo havia sido um fiasco e que conseguira transformar uma inflação anual de 100%, ao final do último governo militar, em uma inflação mensal de 80%.
Outras figuras carimbadas foram se incorporando ao centro do poder e dando a sua contribuição para o mar de lamas que logo afloraria com o Mensalão, dólares na cueca, aparelhamento de todos os órgãos públicos, empreguismo sem a devida qualificação, bisbilhotagem da vida dos inimigos políticos que passaram a ser vistos assim, não como adversários, como sugere o saudável comportamento democrático.
Na era FHC, tão demonizada por todos nós que militávamos pela causa de eleger um presidente vindo das camadas populares, a dívida pública havia chegado ao absurdo de R$343,82 bilhões, o que equivalia a 35,11% do PIB. Vale ressaltar que boa parte daquela divida foi contraída para manter estável o Real. A prioridade era ter sob nocaute a inflação herdada dos governos dos militares, de Sarney e do Collor.
Em 1999 o governo FHC negociou com o FMI a produção de superávits primários equivalentes a 3% do PIB. Aquela foi uma informação que nos deixou a todos estupefatos. O partido do nosso candidato foi para todos os meios de comunicação denunciar a capitulação do governo aos ditames do “demônio” chamado FMI. Nas minhas aulas de Economia Monetária eu ensinava para os meus estudantes o que aquilo significava técnica e politicamente.
Pois bem, a divida publica ao final do Governo Lula chegou a R$2,2 trilhões, o que equivale a mais de 70% do PIB do País. São desembolsados R$150 bilhões anuais em pagamentos de juros para a sua rolagem.
O superávit primário negociado com ou outrora “demônio” FMI foi para 4,25% do PIB. Ninguém acusou o governo de neoliberal por isso, nem o mundo veio abaixo. Tão pouco se levantaram placas dizendo “Fora Lula”, como era feito na época do antecessor.
Em 2009, essa divida pública comprometeu em 36% o orçamento da União. Somente para efeito de comparação, para a educação o comprometimento em 2009 foi de meros 3% e para a saúde foram destinados 5% desse mesmo orçamento. Por essas e outras que a taxa de analfabetismo perdura a mesma que acontecia ao final da era FHC, em torno de 10% da população maior de 10 anos. A escolaridade média dos brasileiros também não avançou ficando abaixo de oito (8) anos, tal como em 2002.
O tão propalado pagamento da divida externa, não passa de falácia. Ela continua mais pujante do que sempre esteve. Atualmente ultrapassou US$300 bilhões. As reservas cambiais do País somam pouco mais de US$280 bilhões. O pior é que para este montante de reservas, a maioria tendo sido adquirida via divida publica externa, o Banco Central precisaria emitir Reais o que inundaria a oferta de moeda internamente, com impactos inflacionários evidentes. Para que isso não aconteça o Banco Central tem de realizar a operação chamada tecnicamente de “esterilização da base monetária” que nada mais do que emissão e venda de títulos da divida publica interna. Para esses títulos ficarem sedutores para os investidores é preciso que as taxas de juros neles embutidas sejam atraentes. Resultado, os juros não podem cair substancialmente.
Os juros não podem cair e atraem mais investimentos especulativos que faz com que as reservas cambiais do País cresçam de forma não sustentável. Seria sustentável se fosse via crescimento das exportações excedendo o crescimento das importações. Com entrada de reservas cambiais a moeda nacional tende a se valorizar em relação ao dólar, o que dificulta as exportações e estimula as importações. Simples assim.
O real supervalorizado gera déficits em conta corrente o que torna o Brasil mais dependente das importações de capitais especulativos, o que aumenta tanto a divida publica externa como a divida publica interna, porque os reais que financiariam as moedas conversíveis precisam ser tiradas de circulação para que não provoquem inflação. Resumindo, estamos diante de uma verdadeira bola de neve. Isso não se discute na atual campanha no segundo turno.
Tudo isso acontecendo, e a candidata oficial desconhecendo que o endividamento interno tem a ver com a taxa de cambio. Para ela, a valorização do real nada tem a ver com essa divida o que mostra o nível do seu preparo técnico para exercer a função que o seu chefe quer nos impor.
Como consequencia do comprometimento do orçamento com divida pública não sobram recursos para investimentos em infra estrutura. Por isso que entre 2003 e 2009 houve regressão no total de domicílios com acesso a esgoto e à água encanada. Agora o quadro mais triste dessa historia. O maior contingente de analfabetos, de população com baixa escolaridade, de população sem acesso a esgoto e à água está no Nordeste. Os postos de saúde mais carentes estão nesta região. Pois bem, no Nordeste está o maior percentual de votos na candidata oficial. Triste!
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*Professor Associado na Universidade Federal do Ceará.
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