segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Lula e a “Peãozada”: Misticismos e Inverdades

José Lemos*

Um brasileiro como Lula chegar à presidência da República é um fato que precisa ser exaltado numa democracia capenga como a nossa. Nós que participamos dos primórdios da sua caminhada sabemos como foi difícil, no começo, as classes dominantes aceitarem um ex-operário, com nível sofrível de educação, assumir o comando de uma das mais promissoras e desiguais economias do mundo.
Em 1989 foi um vale-tudo dos detentores do statusquo para que aquele homem de aparência rude, mas de extrema habilidade de bastidores, não conseguisse se eleger. Na época, uma parte significativa da Academia dita progressista, na qual eu me julgava incluído, avaliávamos que aquelas tentativas de impedir um brasileiro comum de ser o dirigente máximo não passava de preconceito e de um temor que os “trabalhadores” (uma categoria então definida de forma ambígua, haja vista que trabalhadores somos todos nós que vivemos às custas do nosso suor) chegassem ao poder, porque poderiam fazer uma “revolução” que levaria o país a aproximar-se de regimes como o cubano ou dos já então moribundos regimes do Leste Europeu.
Leonel Brizola, do alto de sua argúcia, já antevia que aquele homem faria qualquer negocio para chegar ao seu objetivo. Veja-se que o pronome possessivo é este mesmo: “seu”. Dentro do partido que ele ajudara a criar e que, indiscutivelmente era a sua maior liderança, foi eliminando, um por um, todos aqueles que se atreviam a atravessar no seu caminho. Como tinha um carisma muito grande e havia sido operário, nós militantes de esquerda achávamos aquilo absolutamente normal. E fomos em frente, com militância forte e fazendo denuncias. Eu mesmo tive a oportunidade de escrever e publicar em jornais artigos como “Collorir um verbo transitivo”. Collor ganhou a eleição em 1989 e foi defenestrado em 1992 acusado de cometer ilicitudes que não eram muito diferentes daquelas aprontadas no governo Lula a partir de 2005 nos episódios do mensalão, dólares na cueca, achaques nos correios...
Em 1992 assumiu Itamar Franco, de quem se pode falar tudo, menos que tenha feito um governo corrupto. Aliás, uma das suas principais atitudes foi isolar figuras como Antonio Carlos Magalhães e José Sarney. Demitia Ministros e auxiliares (como foi o caso do poderoso Ricupero da Fazenda) sempre que surgiam denuncias de qualquer ordem que colocavam em cheque a sua reputação.
Teve a coragem de convocar um sociólogo para executar o plano de estabilização que tiraria o Brasil de uma hiperinflação de mais de 2.000% ao ano. O nosso então candidato a Presidente, aquele que Brizola chamou de “Sapo Barbudo”, numa atitude oportunista, posicionou-se contra e levou o seu partido a tomar a mesma atitude irresponsável. O Plano ia dando certo, mas faltava-lhe os complementos essenciais. Um deles era bloquear a fonte primária da inflação: o descontrole do orçamento público. Algumas das causas desse descontrole eram as empresas públicas, como a de telefonia por exemplo. Apenas lembrando, até o final dos anos noventa, para se comprar um telefone fixo no Brasil tinha-se que entrar numa fila interminável, ou então pagar por fora para agilizar. A Lei de Responsabilidade Fiscal e a maioria das privatizações vieram na direção de sanear as contas públicas, para eliminar a fonte primária do foco inflacionário. Faltava apenas disciplinar o cambio. Tabelado pelo governo, não tinha condições de criar segurança aos agentes econômicos que transacionavam com o exterior. Ainda que de forma atabalhoada, em 13 de janeiro de 1999 foi instituído o regime cambial flutuante.
Com essas medidas, todas elas recebendo forte oposição do declarado candidato e do seu partido, o Brasil conseguiu a estabilidade monetária e com ela a tranqüilidade para avançar em indicadores econômicos. A partir de 2003 uma conjunção de fatores externos, criou condições para que o País conseguisse acumular reservas cambias que o possibilitaram resistir de forma mais consistente aos abalos da economia mundial, como o que aconteceu em 2008/2009.
Ou seja, os resultados importantes da economia brasileira foram construídos sobre âncoras sólidas plantadas em 1992 com Itamar Franco e que prosseguiram fincadas nos dois Governos de FHC. A quem eu fiz muitas criticas na época, por exemplo, pela forma como encaminhou o projeto de reeleição. As eleições de 2010 mostraram que este mecanismo torna os pleitos viciados em beneficio do governante de ocasião que dispõe da maquina pública para difundir inverdades, destruir adversários, como foi feito exaustivamente nas campanhas para Presidente do Brasil e para o Governo do Maranhão neste ano de 2010.
Agora ao final do segundo mandato, Lula em mais um de seus momentos de transe, plantando fantasias criadas em sua própria imaginação e nas quais passa a acreditar, sai com esta pérola, sempre usando o verbo na primeira pessoa do singular, como convém a quem tem mania de grandeza: “Eu não fiz tudo que gostaria ter feito... E eu sei que tem muita gente que passou pela Presidência que fica se perguntando: como é que um peão conseguiu fazer mais do que eu”. “Muita gente” no caso são apenas quatro (4) ex-presidentes. São eles: Sarney e Collor (hoje seus parceiros incondicionais, um deles classificado de ‘incomum’). Talvez esses dois senhores possam ter este sentimento, mas como são aliados de conveniências, devem achar absolutamente normal que isso tenha acontecido. Jamais iriam contrariar o ídolo que construíram desde criancinhas. Itamar e FHC não teriam motivos para ter este tipo de ‘inveja’ porque nos seus governos foram criadas as condições para que o Brasil pudesse sair das incertezas deixadas pelos dois ex-presidentes hoje aliados do Presidente.
Talvez um outro tipo de sentimento pudesse vir dos grandes banqueiros, antes eleitos no passado por ele, Lula, como vilões da economia brasileira. Esses poderiam dizer assim: “Por que não colocamos este ‘peão’ já em 1989?” Teriam tido mais tempo navegando na atual bonança que desfrutam, como nunca visto antes nesse (sic) País.

Professor Associado na UFC

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