sexta-feira, 4 de novembro de 2011

IDH do Brasil em 2010 Está Super-Dimensionado

José Lemos*
O Relatório de Desenvolvimento Humano que acaba de ser divulgado pelas Nações Unidas, com base em informações de 2010, mostra que o Brasil subiu uma posição no ranking dos 187 países para os quais aquela entidade internacional calcula o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Pelos cálculos das Nações Unidas, o Brasil subiu da 85ª para a 84ª posição naquele ranking, estando atualmente com um IDH de 0,718. Ou seja, apesar do discurso oficial, que tenta mostrar um país que se transformou num Paraíso, as evidencia não são lá muito animadoras. Países como Peru, Costa Rica, Argentina, Chile, Equador, Panamá e México, apenas para ficar na América Latina, logram ter posições bem mais confortáveis do que a brasileira na hierarquia das Nações Unidas.
Leio que a Ministra de Desenvolvimento Social, Sra. Tereza Campello, teria falado, nesta quinta feira, três (3) de novembro, que o IDH divulgado não reflete os “avanços” que, segundo ela, o Brasil teria alcançado nos últimos anos. Ao que se ler na matéria jornalística ela teria atendido aos reclames do ex-presidente da Republica que, mesmo se tratando de doença não muito simples, não nos poupa de suas interferências repletas de “sabedorias”. Desta vez, segundo o que se lê na noticia, ele, o ex-presidente, critica a metodologia utilizada para calcular o IDH. Sabido do jeito que é, vai ver que está coberto de razão. Amartya Sen e Mahbub ul Haq, os renomados economistas que criaram o IDH que se cuidem, pois o homem agora investe contra a sua obra prima. Mal o ex-presidente sabe que o IDH acaba sendo generoso na aferição do desenvolvimento humano em países como o Brasil, como tentarei demonstrar a seguir,
O IDH foi criado como o instrumento para aferir o conceito de Desenvolvimento Humano. Conceito relativamente novo, que acaba de completar a sua maturidade, tendo em vistas que foi criado em 1990. O conceito de desenvolvimento humano surgiu pela incapacidade que a renda per capita tinha de cumprir esta difícil missão. A renda per capita era usada até 1989 como indicadora de desenvolvimento pela ONU.
Como qualquer outro índice que tente condensar num número (o IDH, convencionalmente, tem três casas decimais variando entre zero e um) um conceito complexo, como é o de desenvolvimento, pecará pela tentativa de “reducionismo”. Mas este não é o único problema associado ao IDH, sobretudo quando tenta aferir Desenvolvimento Humano em Países pobres como o Brasil.
Os indicadores do IDH são três: Esperança de vida ao nascer, que na pratica se afere estimando-se a idade que, em média, as pessoas morrem num País, estado, região ou município. O segundo indicador do IDH é o Estoque de Educação que é composto por dois sub-indicadores: taxa de matriculas nos diferentes níveis e percentagem de adultos (maiores de 15 anos) alfabetizados. O terceiro indicador do IDH é a renda per capita avaliada pelo poder de compra associado à renda e também levando em consideração outros aspectos.
Pois bem, quando se afere situações de economias como a brasileira, em que a renda é bastante concentrada, com disparidades tremendas entre alguns poucos que são muito ricos, e milhões que são muito pobres, fica difícil, um índice que utilize este indicador como uma das suas âncoras, ter confiabilidade.
A taxa de matriculas, por sua vez, não garante que o ensino que está sendo ofertado, sobretudo para as crianças e adolescentes, reflita a sua qualidade. Todos nós sabemos dos níveis caóticos do ensino publico no Brasil que abriga a maioria da população que dele necessita. Assim, uma elevada taxa de matriculas não significa, necessariamente, um alto patamar de educação e, por conseqüência de desenvolvimento, haja vista que educação é fundamental para o desenvolvimento. Isto sem falar que a taxa de matricula é facilmente manipulável por prefeitos inescrupulosos. As informações que alimentam a base de dados para o calculo do IDH são fornecidas pelas mais de 5.500 prefeituras espalhadas por este Brasilzão de meu Deus.
Finalmente, o maior de todos os problemas associados à aferição do IDH em países pobres como o Brasil. A esperança de vida ao nascer, em locais pobres, tende a ficar super-estimada. Isto porque, sobretudo nos rincões das regiões Norte e Nordeste, existem milhões de brasileiros que nascem, vivem e morrem sem jamais serem registrados. Assim fica impossível computar a idade em que morreram. São pessoas muito pobres, tanto assim que sequer tiveram condições de terem um registro civil, mesmo sendo gratuito nos cartórios. Mas para consegui-lo os pais das crianças precisariam se deslocar e não tiveram dinheiro para pagar passagens. “Preferem” deixar os filhos sem registro. Essa gente tende a viver menos, ou seja, tem expectativa de vida menor. Caso os seus óbitos fossem computados, com certeza a esperança de vida ao nascer dos lugares onde vivem tenderia a ser menor do que aquela que aparece nas estatísticas oficiais.
Assim, a esperança de vida ao nascer, que aparece na composição do IDH do Brasil em 2010, que é de 73,5 anos, com certeza está superdimensionada. Assim como está o estoque de educação, ainda que as estatísticas sejam corretas (o que é improvável pelas razões listadas acima), não refletirá a qualidade sofrível do ensino que adolescentes e crianças estão submetidos.

A propósito a escolaridade média do brasileiro é de apenas 7,5 anos. Os analfabetos maiores de dez (10) anos estagnaram no percentual de dez por cento, o mesmo que havia há oito anos. A diferença agora é que a população cresceu, e, por isso, em números absolutos, hoje temos mais analfabetos do que tínhamos quando aportaram os novos descobridores do Brasil em 2003. O acesso a esgoto sanitário deixava 47,5% dos domicílios brasileiros descobertos deste serviço. Os domicílios cuja renda total varia de zero a dois salários mínimos representavam 36,1% do total em 2009. Em 2002 eram 32,5%. Ou seja, naquele período houve “migração” de populações que viviam em domicílios com renda acima de dois salários mínimos para aqueles segmentos de rendas mais baixos. Um retrocesso, portanto.
Portanto, a Ministra, que foi indevidamente cutucada pelo ex-presidente, não tem razão de reclamarem das evidencias mostradas para o Brasil. Com certeza o IDH que coloca o Brasil em posição praticamente mediana entre 187 países, ainda está no “lucro”. O que para nós é muito triste.

Professor Associado na Universidade Federal do Ceará


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