segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O CUSTO DO AMADORISMO NA SEGURANÇA PÚBLICA DO CEARÁ

O CUSTO DO AMADORISMO NA SEGURANÇA PÚBLICA DO CEARÁ

(*) José Nelson Bessa Maia

A sensação de crescente violência no dia a dia dos cearenses, da capital e do interior, é visível e cada vez mais cidadãos pacatos e ordeiros estão sendo vítimas de agressões ao patrimônio e à integridade física. A inércia das forças policiais em prevenir e reprimir os criminosos é visível e muitas pessoas preferem nem dar queixa de ataques e roubos por sentir a inoperância e o desinteresse dos agentes da Lei em dar seguimento às investigações e prender os transgressores. Com isso a impunidade impera e o medo prevalece, gerando uma percepção geral de vulnerabilidade e queda na qualidade de vida, com impactos também na economia.
O poder público estadual tem se revelado na prática incapaz de reverter o quadro e sua relação conflituosa e desrespeitosa com os policiais só contribui para comprometer o funcionamento já precário dos serviços prestados pela categoria. O dispendioso e mal concebido programa “ronda do quarteirão”, inicialmente saudado por muitos como uma resposta efetiva de prevenção ao crime, mostra-se disfuncional, excessivamente oneroso e ineficaz no combate aos meliantes.
As estatísticas que comparam a criminalidade no Brasil, em nível de unidades da federação, evidenciam o quanto se deteriorou a segurança pública no Ceará durante os dois mandatos da atual administração estadual. Se considerarmos apenas o índice de homicídios dolosos , o número no Ceará mais do que dobrou, de 1.564, em 2006, para 3.492 em 2012 (+123,3%), comparado a um aumento de 75,7% para a Bahia, queda de -30,6% em Pernambuco, e acréscimo de apenas 17,6% para o Brasil como um todo. Em relação a 100.000 habitantes (indicador internacionalmente usado), a taxa de homicídios dolosos no Ceará cresceu continuamente nos últimos sete anos, saltando de 19,0 em 2006 (último ano do governo Lúcio Alcântara), para 22,5% em 2008; 31,2% em 2010 e 40,6 em 2012 (aumento de 113,7%), bem acima da Bahia (aumento de 72,6%) e Pernambuco (queda de -33,9%) e perdendo apenas para Alagoas (58,1), a campeã nacional em criminalidade, comparado à média brasileira de 24,3 em 2012. Em São Paulo e no Espírito Santo, a taxa de homicídios caiu, respectivamente, - 22,3%, e -48,7%, desde 2006. No Brasil como um todo, a taxa aumentou apenas 21,5% (ver quadro e gráfico em anexo)
É curioso notar que, nesse contexto, as despesas com a função segurança pública no Ceará aumentaram relativamente mais do que em outros estados, mas os resultados em termos de combate à criminalidade pioraram. Com efeito, a participação da despesa com segurança pública no total do gasto público estadual aumentou de 5,8%, em 2007, para 6,7% em 2009, e 8,9% em 2012. Nesse período, outros estados (como Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo e) reduziram a parcela relativa dos gastos com segurança em seus orçamentos e, mesmo assim, eles conseguiram reduzir de forma expressiva os índices de criminalidade, o que reflete maior efetividade e eficácia de suas políticas de segurança.
A qualidade da segurança pública no Ceará poderia estar hoje num patamar muito melhor caso tivesse havido continuidade ao Projeto Modelo de Policiamento Comunitário, iniciado na 3ª gestão do então governador Tasso Jereissati (1998-2002), com o assessoramento da Security Consulting, liderada por William Bratton, ex-comandante das Polícias de Nova York e de Los Angeles e hoje o maior consultor em segurança pública no mundo, autor de pelo menos 10 livros sobre combate à criminalidade.
Na condição de assessor internacional do estado, eu estive pessoalmente em Nova York, em 1999, para negociar a vinda do Sr. Bratton e sua equipe de consultores ao Ceará. Sob a coordenação do então secretário da segurança pública, general Cândido Vargas, Bratton preparou uma estratégia de modernização pública para o Ceará, a ser iniciada com projeto piloto em bairros de Fortaleza, o chamado Fortaleza Model Project, baseado no figurino operacional da Polícia nova-iorquina, mas adaptado às peculiaridades cearenses. O projeto contemplava a reestruturação da Polícia Civil e da Polícia Militar; o emprego de sofisticada tecnologia para mapeamento e prevenção ao crime (compstat); intensa formação e treinamento de policiais; melhorias salariais e gratificações de desempenho; equipamentos, veículos e armamento de última geração; metodologias inovadoras de policiamento comunitário e adoção de técnicas de inteligência policial.
Infelizmente, por diversas razões, o modelo de modernização da Polícia cearense não teve continuidade nos governos seguintes, o que levou à manutenção de práticas antiquadas de policiamento e ao despreparo dos policiais para enfrentar a crescente onda de criminalidade e de sofisticação e de violência do crime. Os cearenses, portanto, pagam hoje muito caro pela falta de visão estratégica e de capacidade de formulação e execução de políticas públicas no campo da segurança pública por parte dos tomadores de decisão na esfera estadual. A gravidade da situação requer a entrada em cena de um gestor com liderança e conhecimento capazes de apaziguar os ânimos entre os policiais e retomar a modernização da Polícia interrompida em 2002.

(*) José Nelson Bessa Maia é economista, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e ex-assessor especial para assuntos internacionais do governo do Ceará (1995-2006). E-mail: nbessamaia@gmail.com










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